SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

POR DIGNIDADE

“Constrangimento medieval”, artigo de Cláudio Brito

Por Cláudio Brito*

Talvez eu esteja sendo injusto com a Idade Média. Naqueles tempos, quem sabe, já houvesse consciência dos direitos fundamentais das pessoas. O que escandaliza é o acontecido agora, em 2021, em nossa Novo Hamburgo, onde uma funcionária de uma fábrica de calçados, no bairro São José, impedida de usar o banheiro na sede da empresa, urinou nas calças. O uso do sanitário tem regras e horários, para impedir que os empregados demorem e com isso prejudiquem o trabalho. No caso, a trabalhadora teve negado o acesso à chave e ao banheiro, o que ocorreu pouco antes das 16 horas. Não havia quem, naquele momento, pudesse substituí­-la, então nem lhe deram atenção, que terminou urinando perna abaixo, mesmo vestida.

Colegas da menina, de 19 anos de idade e com identidade preservada, foram protestar diante da empresa Zenglein e Cia. Representantes do sindicato da categoria à qual pertence a garota, das sapateiras e sapateiros, levaram um acento de privada até a porta da fábrica e exibiram um cartaz com a palavra de ordem “libera o banheiro já”.

Em bem detalhada reportagem, Matheus Chaparini ouviu as pessoas presentes ao ato de protesto e também a representante do Ministério Público do Trabalho, a procuradora Mônica Pasetto, que coordena a Procuradoria do Trabalho em Novo Hamburgo. Ela afirmou: “Se a limitação do uso do banheiro for usada como recurso para fiscalizar a atividade produtiva do trabalhador e da trabalhadora, como gestão do tempo, de modo constrangedor desproporcional, pode ser considerada abuso do poder empregatí­cio e violação do direito à privacidade”.

Permito-me trazer o conceito de crime ao caso. Vejo como plenamente viável o enquadramento no artigo 146 do Código Penal, que define o constrangimento ilegal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. Pena de detenção de três meses a um ano”.

Se não houve a violência, grave ameaça esteve presente, na medida em que pairava sobre a menina o risco de ser despedida de seu emprego se insistisse em ir ao banheiro. Se isso não bastar, o crime estará caracterizado por “qualquer outro meio” capaz de reduzir a capacidade de resistência da jovem trabalhadora, levando-a a não fazer o que a lei permite (ir ao banheiro quando em necessidade premente), ou a fazer o que a lei não manda, ou seja, ali mesmo, diante do banheiro fechado, urinar-se. E tudo para que ficasse trabalhando de qualquer maneira, mesmo em circunstâncias que lhe autorizariam a interrupção para usar o sanitário normalmente.

Constrangimento ilegal, constrangimento medieval ou bárbaro, essa é a verdade. A indignação demonstrada pela representação sindical bem demonstra que não deve ser fato isolado o ocorrido. A mobilização, a solidariedade demonstrada em favor de uma jovem operária que tentou por três vezes chegar ao banheiro em momento de aperto constrangedor. Depois de urinar, ouviu risadas da supervisora que, finalmente, ofereceu-lhe a chave. Então, sem necessidade ou sentido.

*Artigo publicado no jornal NH em 30/6/2021; reproduzido pelo Sintrajufe/RS com autorização do autor