Em novembro, ocorreram nomeações de cotistas do primeiro concurso da Justiça Federal da 4ª Região com cota racial depois da resolução 203/2015, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse dispositivo define reserva de 20% das vagas a negros e negras para provimento de cargos efetivos e ingresso na magistratura. O Sintrajufe/RS apresenta a segunda parte da conversa com colegas nomeados em novembro (alguns ainda não tomaram posse) em que eles e elas falaram sobre políticas afirmativas e representatividade no Judiciário. A primeira parte desta série pode ser lida AQUI. André Alberto Santos de Almeida, nomeado na Justiça Federal pela política de cotas “A representatividade no Judiciário é praticamente a mesma dos outros órgãos, irrisória. Não fosse a política de cotas, com certeza o quantitativo de pessoas pretas continuaria insignificante. Uma máquina estatal que não possui diversidade racial tem grande dificuldade de atender aos anseios sociais de modo material. Não que haja uma doutrinação preconceituosa aos membros do Judiciário, mas a própria experiência de vida de tais membros torna dificultosa a visão imparcial de algum fato, por mais corriqueiro que seja. Isso não tem a ver com orientação, com algum paradigma implícito ou com ordem de alguém; simplesmente o racismo no nosso país está tão estruturado que a pessoa que o pratica nem sente. E, não raras vezes, essa pessoa pode vir a ser o magistrado que está na sua frente. Políticas de ações afirmativas educacionais têm o condão de corrigir desigualdades existentes, bem como injustiças históricas. Além disso, podem ser vistas como forma de buscar o desenvolvimento do país como um todo ao tentar uniformizar oportunidades para toda a população. Há de se ter, além da política de cotas, outras formas concomitantes de políticas para que um dia não seja mais necessária a cota. O investimento no ensino para populações de baixa renda é uma das ferramentas que podem buscar equalizar as oportunidades, para que um dia não seja mais preciso que um preto, como eu, utilize a política de cotas para ingressar no poder Judiciário ou em qualquer outro poder.” Ilane Costa Araujo da Silva, ingresso previsto para dezembro de 2020 na Justiça Federal, pela política de cotas
“O Brasil é um país miscigenado, contudo, percebo que há a predominância de pessoas brancas integrando o Poder Judiciário, o que torna a representatividade muito fraca e desproporcional em relação à realidade populacional externa. A garantia da Justiça deveria ser isenta de análise étnica, pois, num Estado de direito, pune-se o fato. Contudo, acredito que houve e há eventos nos quais são consideradas as características físicas e sociais do indivíduo, afinal, o operador do direito carrega consigo sua bagagem e a experiência de vida. Assim, consequentemente, quanto maior a representatividade nesse espaço, maiores as chances de se evitar tal involução humana. Eu cresci em meio a pessoas pretas e pardas, onde brancos eram minoria. Mas essa é uma realidade local do meu Estado e cidade (interior da Bahia). Absolutamente estamos longe de viver uma igualdade racial. O fato é que os negros são a população mais pobre, cuja carência está em todos os âmbitos, seja educacional, seja de saúde e até mesmo oportunidades de desenvolvimento. Por esse motivo, as políticas afirmativas são vetores necessários para se alavancar uma mudança social e cultural no nosso país.” Márcio Alves do Nascimento Júnior, nomeado na Justiça Federal pela política de cotas
“A política de cotas, sem dúvida, foi de suma importância nessa caminhada até aqui. De início, frequentei a escola pública no ensino médio e pude acessar as cadeiras do curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas a partir do sistema de cotas. Nesse cenário universitário, 80% da sala era composta por pessoas brancas das classes mais abastadas da cidade. Seria extremamente difícil competir em igualdade de condições com estudantes que, invariavelmente, tiveram condições financeiras para obter uma preparação melhor. A falta de representatividade no Judiciário Federal segue a mesma lógica. Não há igualdade de partida entre os candidatos às vagas disponíveis e, fatalmente, a maioria branca acaba ocupando boa parte dos cargos públicos diante da evidente desigualdade econômica e racial existente em nosso país. É inadmissível que, em uma população composta, majoritariamente, por pardos e pretos, apenas uma pequena parcela destes consiga ocupar cargos no Judiciário e posições de poder na nossa sociedade. O sistema de cotas se insere como uma valiosa ferramenta para que a desigualdade racial seja paulatinamente reduzida e a proporção populacional brasileira seja observada também no funcionalismo público. Essa mudança no sistema desigual atual pode, inclusive, favorecer o combate ao racismo estrutural. Estamos testemunhando casos brutais de crimes cometidos contra pardos pretos. Em muitas dessas situações, operadores do direito não possuem a vivência nem real dimensão de quão nociva pode ser uma conduta racista. Agressores e criminosos acabam recebendo pena mais branda ou até mesmo absolvidos, o que só contribui com a banalização do racismo e a exclusão dos pretos e dos pardos no Brasil.”
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Colegas negros e negras falam sobre políticas afirmativas e representatividade no Judiciário Parte 2
