A cada ano, 11.607 partos realizados no Brasil são consequência de violência sexual praticada contra meninas menores de 14 anos de idade. A lei nº 12.015/2009 determina que esse tipo de violação configura estupro de vulnerável e prevê pena de reclusão de dois a cinco anos. Os dados são de pesquisa elaborada pelo Centro Internacional de Equidade em Saúde, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com apoio da organização Umane.
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A pesquisa é a primeira a cruzar a faixa etária com dados sobre o início do acompanhamento da gravidez em adolescentes. Foram verificados mais de 1 milhão de partos do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) de 2020 a 2022 e constatou-se que 40% das meninas dessa faixa etária começaram a fazer o pré-natal depois dos primeiros três meses de gestação. A situação não é a adequada. Com o objetivo de comparar as proporções e evidenciar que, quanto mais novas as mães, menor é o acesso a esse serviço de saúde, o estudo destaca que a porcentagem de adolescentes de até 19 anos que fizeram pré-natal no primeiro trimestre é 30%.
Disparidades entre regiões e escolaridade
Os autores que conduziram as análises sublinham as disparidades entre regiões do país. No Norte, quase metade das meninas com menos de 14 anos de idade fizeram o pré-natal depois de três meses grávidas. No Sudeste, a porcentagem cai para 33%. As meninas indígenas, especialmente as do Norte e do Centro-Oeste, formam o grupo com mais casos de atrasos de pré-natal. Ao todo, 49% delas vivenciaram essa experiência, contra 34% das meninas brancas.
Em relação à escolaridade, o que se identifica é que, quanto menor o tempo de educação formal, maior a chance de o pré-natal ser adiado. Quando as meninas frequentam a escola por menos tempo do que quatro anos, tendem a ter menos acompanhamento (49%).
Outro aspecto especialmente relevante na atual conjuntura do país, como assinalam os autores do estudo, é o fato de que uma em cada sete adolescentes (14%) iniciaram o acompanhamento após 22 semanas de gestação. Quanto a este dado, dizem que serve de argumento para se debater o recente projeto de lei que visa limitar o aborto legal para vítimas de estupro até 22 de semanas de idade gestacional.
PEC pretende proibir aborto mesmo em caso de estupro e risco de vida da gestante
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que compila dados sobre violência contra mulher, em 2019 e 2020, foram registrados 42.252 e 35.644 estupros de vulnerável. Em 2021 e 2022, foram notificados 44.433 e 48.921. Vale lembrar que o estupro de vulnerável também se caracteriza quando a vítima é maior de 18 anos, mas não pôde, no momento da agressão sexual, oferecer resistência e se defender. Por isso, são considerados, por exemplo, estupros de mulheres embriagadas, sob efeito de entorpecentes ou com uma deficiência que as impeçam de se proteger do agressor.
No final de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) 164/2012, que, na prática, proíbe o aborto em todos os casos, inclusive os hoje permitidos pela legislação brasileira: risco de morte para a gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal (má-formação do cérebro).
O texto da PEC disfarça o ataque contra o direito ao aborto com a ideia de “direito à vida”. Atualmente, a Constituição já assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, mas não há uma definição do momento em que esse direito começa a vigorar. A proposta define que a inviolabilidade do direito à vida deve ocorrer “desde a concepção”. A PEC foi apresentada pelos ex-deputados Eduardo Cunha (RJ) e João Campos (GO) e relatada pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ), cuja parecer foi pela admissibilidade do texto.
Fonte: Agência Brasil e Agência Câmara de Notícias