Diversos estudos e relatórios têm apontado um cenário assustador para as mulheres em meio à pandemia do novo coronavírus: o necessário isolamento social, com aumento do tempo de permanência em casa, permitiu que disparassem os números de violência contra a mulher. As vítimas, nessa situação de confinamento, estão mais expostas às ações violentas de seus agressores, e as estatísticas deixam isso claro: em abril, as denúncias ao Ligue 180, serviço de proteção às mulheres, cresceram 35,9% em relação ao mesmo mês em 2019; e, fevereiro e março já havia sido registrado grande crescimento, de 15,6% e 14,9%, respectivamente. Os feminicídios também crescem: entre março e abril, os casos aumentaram 22,2% em relação ao mesmo período do ano passado. Esse assunto foi debatido na última semana em live promovida pelo Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT4, no qual o Sintrajufe/RS tem assento, atuando ativamente, e pela Escola Judicial do tribunal.
As painelistas foram Natália Jobim, advogada e integrante da “Casa de Referência da Mulher – Mulheres Mirabal”, e Ivonete Carvalho, ex-secretária de Políticas para Povos e Comunidades Tradicionais (órgão vinculado à extinta Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e atual integrante do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis da Polícia Civil (DPGV). A mediação foi da juíza do Trabalho Gabriela Lenz de Lacerda, coordenadora do Comitê.
As participantes ressaltaram a importância da realização do painel, uma vez que o Rio Grande do Sul é o terceiro estado em número de feminicídios no país e onde só neste ano já ocorreram 40 crimes desse tipo. Segundo Ivonete, 90% dos casos são cometidos por maridos, companheiros ou namorados das vítimas. Natália ainda mencionou que se trata de uma “pandemia dentro da pandemia”, referindo-se ao aumento de casos de violência contra a mulher desde o início das medidas de isolamento social para o combate ao coronavírus. Conforme destacou a magistrada Gabriela, muitas situações sequer são percebidas como violência e seguem sendo banalizadas, inclusive pelas próprias mulheres. “As práticas vão além da violência física e acabam se naturalizando, também, por falas, piadinhas, desvalorização e comportamentos que se reproduzem no meio ambiente do trabalho”, afirmou.
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Luta coletiva
Na roda de conversa, foram destacados aspectos da violência nos locais de trabalho, tratando das noções de assédio moral e sexual e das formas de enfrentar essa realidade coletivamente. As painelistas trouxeram enfoques variados sobre o tema, refletindo sobre o estado emocional da mulher que sofre violência no local de trabalho e as “pequenas violências” que acabam sendo banalizadas. Falaram, ainda, sobre a demora em perceber a violência, já que esta se dá, muitas vezes, de forma sutil, dissimulada e como uma prática organizada. Além disso, as mulheres costumam demorar para denunciar porque não sabem a quem encaminhar a denuncia ou porque receiam ser desacreditadas e desqualificadas. Por isso a importância da formação de redes de apoio, tanto institucionais quanto das próprias colegas.
Não apenas nos locais de trabalho, mas no conjunto da sociedade, faz-se necessária a combinação da ação institucional com a organização da sociedade civil para dar suporte às mulheres vítimas de violência e oferecer saídas seguras das situações em que se encontram. O combate a essa realidade deve ser coletivo e com diversos enfoques, destacaram as painelistas. Acabar com a invisibilidade é um desafio fundamental. Nesse sentido, em relação aos locais de trabalho, fica clara a importância de iniciativas institucionais, como a constituição da Política de Equidade de Gênero, Raça e diversidade do TRT4, de onde se origina o Comitê de Equidade, um esforço coletivo em defesa de segmentos vulneráveis que sofrem violências específicas dentro e fora dos ambientes laborais.
No RS, TRF4 não assinou protocolo de cooperação técnica
No final de 2019, a partir deste Comitê, foi firmado entre diversos órgãos um Termo de Cooperação Técnica sobre equidade de gênero, raça, diversidades e direitos humanos. O objetivo era a criação de uma rede colaborativa entre os órgãos na construção de ações vinculadas a essas lutas. Assinaram o documento TRT4, TRE-RS, PRR4, PRRS, Justiça Federal de 1º Grau no RS, MPT-RS, MPE-RS. Apenas o TRF4 não respondeu ao chamado para assinatura do documento, que aconteceu em novembro, na Presidência do TRT4.
Para a diretora Naiara Malavolta Saupe, da secretaria de Politicas Sociais do Sintrajufe/RS, que esteve junto na articulação para a formação dessa rede, “foi um momento decisivo, onde presidentes e presidentas e procuradoras e procuradores destas instituições mostraram o compromisso de efetivamente trabalharem, em conjunto, para o estabelecimento de ações que possam descortinar as violências de gênero que ocorrem em nossas repartições, pondo fim ao silêncio criminoso que circunda o assédio sexual e moral sobre as servidoras. Resta agora a definição de ações concretas que possibilitem as mulheres vítimas destas violências as condições necessárias para assumirem o protagonismo e efetuarem as denúncias. O sindicato já está num processo de reestruturação interna para acolher e encaminhar de forma efetiva estas colegas e já temos situações concretas que estamos tratando em conjunto na Secretaria de Saúde e Relações de Trabalho (e-mail: ssrt@sintrajufe.org.br) e na Secretaria de Políticas Sociais (e-mail: politicassociais@sintrajufe.org.br)”.
O Sintrajufe/RS segue cobrando dos tribunais a construção de ações de enfrentamento aos preconceitos e às diversas formas de violência dentro e fora dos locais de trabalho. O sindicato também atua nessas pautas fora do âmbito laboral, em parceria com movimentos populares da sociedade civil.
Veja abaixo depoimentos de alguns dos integrantes do Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT4:
Gabriela Lenz Lacerda, juíza, coordenadora do Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT4; foi a mediadora da roda de conversa
Todas essas discriminações estruturais que a gente vê na sociedade, como as discriminações de gênero, de raça, etc., se refletem dentro das instituições. Então a ideia do Comitê é justamente trazer esse tipo de debate pra dentro da instituição, para a Escola Judicial, para que a gente possa dar visibilidade e debater como isso impacta não só fora, na jurisdição, mas também nas relações de trabalho dentro da própria instituição. A gente fez uma pesquisa, há alguns anos, que deu visibilidade a algumas questões importantes, como assédio moral, assédio sexual…que a gente pensa que só acontecem lá fora, mas também acontecem aqui dentro. Eu tenho muito orgulho da atual administração, da direção da Escola, que assumem essa pauta e promovem esse tipo de evento pra que a gente possa debater isso e, só assim, propor outras formas de relação. Me parece que esse tipo de roda de conversa é essencial se a gente pretende de fato enfrentar o problema, não ficar só naquele discurso, mas buscar trazer pessoas que nos ajudem a entender a violência de gênero, que nos ajudem a entender a violência de gênero, que nos ajudem a construir formas de propor outros tipos de relação, uma cultura da não-violência. E principalmente aqui no estado, no Rio Grande do Sul, que, como a gente conversou na roda, é o terceiro estado em quantidade de feminicídios. Esse tipo de debate, dentro das instituições, especialmente neste momento de isolamento, em que as pessoas ficam em casa e essas formas de violência tendem a aumentar, se faz essencial.
Maria Ilda dos Santos Cezar, representante das mulheres no Comitê
A roda de conversa apontou uma preocupação com o aumento de casos de feminicídio, são 40 até agora no Rio Grande do Sul. E, ao mesmo tempo, as verbas públicas diminuíram: elas já passaram de R$ 10 milhões por ano, e este ano está em R$ 180 mil de verba pública federsl a ser aplicada na prevenção de feminicídio. Está clara a relação entre a falta de investimentos e o aumento dos casos de feminicídio. A Natália Jobim chegou a falar que há uma pandemia dentro de outra pandemia, a da violência contra a mulher. Por isso a criação de comitês nos locais de trabalho, as palestras e as rodas de conversa contribuem muito para conscientizar e favorecer a reflexão. Mas também as políticas públicas devem ser aplicadas, o que, infelizmente, não estamos vendo acontecer no estado do Rio Grande do Sul e no município de Porto Alegre.
Roberta Liana Vieira, representante de negros e negras no Comitê
É fundamental que uma instituição comprometida com a defesa e com a promoção dos direitos humanos promova atividades como a roda de conversa sobre violência doméstica promovida pelo Comitê de Equidade com o apoio da Escola Judicial. É urgente debatermos as questões referentes à opressão de gênero, ainda mais quando elas levam a casos de violência. É de extrema importância que as vítimas se sintam acolhidas pela instituição em que trabalham e que possam refletir sobre o tema junto com a sua categoria. Ações coletivas institucionais são mais do que necessárias, ainda mais em tempos de isolamento.
Marcio Martins, representante da diretoria geral no Comitê
Foi muito importante a roda de conversa. O evento trouxe muitas questões importantes para todos aqueles que desejam definitivamente se aliar ao combate à violência contra a mulher. É uma questão crucial em nossa sociedade, particularmente nos dias atuais, em que vivemos essa pandemia que nos coloca nessa situação de distanciamento e isolamento social. Nesse sentido, eu gostaria de destacar um aspecto que me chamou a atenção, que é a ideia de que apenas a ação conjunta entre o poder público e a sociedade civil organizada é capaz de dar conta da demanda de combate à violência contra a mulher. Eu destacaria isso, acrescentando que a atuação do Comitê de Equidade nesse sentido é fundamental. Ele acerta quando escolhe esse tema e acerta também ao convidar as painelistas que muito bem souberam apresentar o tema.