SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

DESTAQUE

Na PEC do Orçamento de Guerra, Bolsonaro e Guedes já decidiram quem deverá ser salvo, e não é você; entenda

Quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse, na reunião ministerial cujo ví­deo veio a público recentemente, que o governo deveria aproveitar o momento da pandemia para fazer passar uma boiada , entregou a linha geral de Jair Bolsonaro (sem partido) e Paulo Guedes para o momento de crise sanitária e econômica. Em meio à elevação diária do subnotificado número de infectados e mortos, o governo tenta aproveitar-se do necessário foco da população na luta por salvar vidas para aprovar medidas que retiram recursos e direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras para salvar o sistema financeiro. Esse mesmo empenho não existe para os milhões que aguardam os insuficientes R$ 600,00 da ajuda emergencial.

Aprovada no iní­cio do mês, a proposta da emenda à Constituição 10/2020, a PEC do Orçamento de Guerra , traz dois artigos que pouco foram discutidos, mas que direcionam o dinheiro dos impostos dos cidadãos brasileiros diretamente para o bolso de especuladores e das instituições financeiras, sem qualquer contrapartida. Trata-se dos artigos 7º e 8º da emenda constitucional 106, na qual acabou transformada a PEC após aprovada e sancionada. Esses artigos permitem que o Banco Central compre os chamados tí­tulos podres , até mesmo de instituições estrangeiras, para protegê-las. Isso com o dinheiro dos brasileiros e das brasileiras, que deveria estar sendo investido na defesa das necessidades do povo, inclusive na proteção às vidas dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Benefí­cio para bancos e fundos de investimento

A PEC do Orçamento de Guerra inclui na Constituição a permissão para que o Banco Central atue no mercado secundário de ações comprando tí­tulos privados (como debêntures, carteiras de crédito e certificados de depósitos bancários). O mercado secundário é o setor do mercado de ações no qual estas são vendidas depois de sua emissão, de investidor para investidor. Antes da emenda constitucional, o Banco Central podia negociar apenas tí­tulos públicos, que tivessem sido emitidos pelo Tesouro Nacional, ou tí­tulos de bancos. Isso porque o mercado secundário carrega alto grau de risco e desregulamentação.

A medida, assim, coloca o Banco Central como mais um agente no mercado privado. Assim, poderá utilizar o dinheiro público para comprar tí­tulos ruins, que ninguém quer comprar, ajudando a salvar instituições financeiras. Os banqueiros e os grandes especuladores, detentores atuais desses tí­tulos, serão os beneficiados pela mudança legal, que não irá ajudar nenhuma média ou pequena empresa nem gerar sequer uma vaga de emprego.

BC poderá comprar tí­tulos podres e transferir riscos dos bancos para os brasileiros

Por passar a ter a permissão para atuar apenas no mercado secundário, o Banco Central não poderá comprar tí­tulos diretamente das empresas que os emitem, mas apenas de quem já os havia comprado anteriormentebancos e fundos de investimento, basicamente. Como são parcas as limitações impostas na emenda constitucional para essas compras, o dinheiro dos brasileiros poderá ser usado para que o governo adquira os chamados tí­tulos podres , que têm alta taxa de inadimplência, sem qualquer contrapartida.

Os debêntures, por exemplo, são tipos de papéis que circulam no mercado secundário que representam dí­vidas de empresas. Parte do motivo de alguns de esses tí­tulos serem considerados podres e de ninguém os comprar é justamente o alto risco de que as empresas que os emitiram deem calote nos compradores. Os compradores originais são os bancos e os fundos de investimento, dos quais o Banco Central poderá adquirir esses tí­tulos. Ao mesmo tempo, não há nenhuma garantia de que os bancos beneficiados irão ressarcir o Banco Central quandoe sea crise passar. Não há contrapartida prevista, apenas o governo garantido os lucros dos mais ricos em um momento de crise.

Em resumo, a emenda permite que os prejuí­zos dos bancos sejam transferidos ao Banco Central, utilizando dinheiro do Tesouro Nacionalou seja, de todos os brasileiros. Além da possibilidade de compra direta, a inclusão desses artigos na emenda constitucional tem como efeito imediato elevar o preço dos papéis podres , já que, com o Banco Central como possí­vel comprador, aumenta a demanda sem aumentar a oferta e, assim, o preço sobe. O lucro dos bancos é ampliado uma vez mais. O governo, com o dinheiro dos brasileiros, assume o risco que fora assumido pelos especuladores.

Trilhões de reais podem ser entregues nesse processo

Conforme a Auditoria Cidadã da Dí­vida (ACD), a mudança poderá significar um prejuí­zo superior a R$ 1 trilhão aos cofres públicos. Em abril, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estimou em R$ 972,9 bilhões o valor que poderia ser utilizado para a compra de papéis no mercado secundário caso a PEC fosse aprovadao que de fato ocorreu. Segundo a ACD, esse valor coincide com o divulgado em matéria do jornal O Estado de São Paulo, que cita levantamento revelando que a carteira podre dos bancos chegava ao valor de quase R$ 1 trilhão, sem considerar a correção monetária: se computada essa correção, chegaremos a vários trilhões, pois esses ativos privados vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, segundo o levantamento , aponta a ACD.

A Auditoria defende alternativas de atuação do Banco Central para o enfrentamento à crise: emitir e injetar moeda na economia, e exigir que os bancos criem linhas de crédito a juro zero e prazo de carência enquanto durar a pandemia. Essas opções alinham-se com o que têm defendido o Sintrajufe/RS e outras entidades como caminho para proteger os trabalhadores e as trabalhadoras frente ao difí­cil cenário, como o uso das reservas internacionais, a taxação das grandes fortunas e a revogação do congelamento de investimentos.

Bolsonaro e Guedes preferem outro caminho, de proteção ao sistema financeiro e de desmonte dos serviços públicos e da capacidade de investimento do Estado e mesmo das pequenas e médias empresas, deixando os trabalhadores sem empregos, salário e direitos. O governo segue a cartilha de instituições como o Banco Mundial e o Banco de Compensações Internacionais, entidade privada que tem como função proteger o capital financeiro e como efeito de suas polí­ticas a quebra da soberania nacional, processo que vem se ampliando no Brasil sob Bolsonaro.