No sábado, 9, o guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda reuniu amigos e familiares para sua festa de 50 anos em Foz do Iguaçu, no Paraná, tendo como tema Lula e o PT, partido ao qual era filiado. O que era para ser uma comemoração terminou em tragédia quando o agente penitenciário federal Jorge José da Rocha Guaranho invadiu o local, segundo testemunhas aos gritos de Aqui é Bolsonaro , e disparou contra Arruda, que morreu a caminho do hospital.
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Marcelo era casado com Pamela Suellen Silva e pai de quatro filhos, entre eles um bebê de apenas 1 mês. Câmeras de segurança mostram que, às 23h40min, Guaranha chega de carro ao local e Arruda discute com ele. Dez minutos depois, o agente penitenciário volta e atira algumas vezes, ainda na parte externa. Pamela tenta impedi-lo, mas ele entra e dispara duas vezes contra Arruda, que também estava armado e, mesmo ferido, revida. Guaranha está internado em estado crítico, segundo a Polícia Civil do Paraná. Segundo Pamela, o marido e o atirador não se conheciam e Jorge Guaranho não estava convidado para a festa.
Incentivo à violência política vem do Planalto
A menos de três meses das eleições, atentados de cunho político são registrados no Brasil. No Rio de Janeiro, um artefato com fezes explodiu perto do comício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em Belo Horizonte, também em comício do pré-candidato, um drone jogou urina e fezes sobre os manifestantes. Em Brasília, o juiz que mandou prender o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro (envolvido no escândalo do MEC) teve o carro atacado com dejetos e terra. Além disso, políticos de oposição, magistrados e jornalistas vêm sofrendo ameaças.
Esses atos não são isolados e crescem à medida que são incentivados. Em 7 de julho, dois dias antes do assassinato no Paraná, um grupo formado por juristas e acadêmicos brasileiros encaminhou no relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) dizendo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) ameaça a democracia e o Judiciário. O grupo, intitulado Demos (Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil), pediu que o órgão internacional avalie os impactos das ações do chefe do Executivo federal. No documento, são citados ataques a magistrados e ao sistema eleitoral e é afirmado que “O governo de Bolsonaro incentiva publicamente ataques a instituições e a violência contra adversários políticos .
Alguns desses incentivos são bem eloquentes. Ainda na campanha, em 2018, o candidato Bolsonaro subiu ao palanque, com uma metralhadora em punho, falou em fuzilar a petralhada . Em maio deste ano, ao falar que agora está todo mundo reunido em torno de Lula, o agora presidente afirmou: É bom que um tiro só mata todo mundo ou uma granadinha só mata todo mundo .
Registro de armas de fogo aumenta 473%
Fazer arminha com a mão foi uma marca da campanha de Bolsonaro à Presidência e é um gesto recorrente entre seus apoiadores, como poder ser visto em fotos nas redes sociais de Jorge José da Rocha Guaranho. A ode às armas não ficou somente no discurso.
Em seu governo, Bolsonaro publicou medidas a fim de facilitar o registro de armas pela população civil. No ano passado, das 204,3 mil armas registradas pela PF, 76% (ou 155,2 mil) foram para cidadãos comuns. O aumento sem precedentes é considerado um risco para a segurança pública, na opinião de especialistas. Daniel Cerqueira, do Fórum de Segurança Pública, diz que a política do governo Bolsonaro ao estimular o armamento como forma de defesa é anticientífica, pois há consenso de que quanto maior a circulação de armas, mais homicídios, feminicídios, suicídios .
Segundo o Anuário de Segurança Pública, desde o início do governo até 1º de julho, o número de pessoas com registros de armas de fogo no Brasil cresceu 474%. Os números levam em consideração registros para atividades de caçador, atirador desportivo e colecionador. São 673,8 mil registros atualmente, contra 117,5 mil até final de 2018. De cada mil pessoas, 314 têm autorização. A maior concentração é em São Paulo, seguido por Paraná e Santa Catarina.
Violência política do governo vem acompanhada pelo golpismo
Se de um lado, Bolsonaro incentiva a violência, de outro, prepara uma aventura golpista levantando dúvidas sobre as urnas eletrônicas. O voto impresso entrou na pauta do governo e seus apoiadores para colocar o sistema eleitoral sob suspeita, sem apresentar qualquer prova. Essa desconfiança é alimentada por um motivo: o não reconhecimento do resultado das eleições de 2022 caso Bolsonaro perca. Em 2021, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), já afirmara que o Tribunal Superior Eleitoral vai pagar o preço por não ter buscado um acordo pelo voto impresso. O deputado admitiu que Bolsonaro pode não reconhecer o resultado das eleições: É uma possibilidade que o TSE deveria ter ponderado quando quis mostrar força .
A presença das Forças Armadas nesse cenário, algo impensável em boa parte dos países democráticos (mais ainda nos que já viveram períodos sob ditadura), aumenta o tom. Insistentemente, generais pressionam o TSE, enviam perguntas e sugestões sobre o processo eleitoral. Quando não têm suas opiniões acatadas, os militares se dizem desprestigiados . Em uma de suas lives, Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas não se limitariam a participar como espectadoras das eleições deste ano, a defesa da tutela militar sobre a democracia parece natural para o Palácio do Planalto.
O que eu tenho a ver com esse episódio?
No domingo, lideranças políticas de vários matizes divulgaram notas em suas redes sociais lamentando o assassinato de Arruda. O presidente da República só se manifestou no final do dia, depois de ter falado, horas antes, sobre o preço da gasolina. Em sua conta no Twitter, Bolsonaro não citou diretamente o assassinato ocorrido no Paraná; pediu as autoridades apurem seriamente o ocorrido e tomem todas as providências cabíveis, assim como contra caluniadores que agem como urubus para tentar nos prejudicar ˜24 hora™ [sic] por dia . Segundo ele o lado lá (esquerda) é que é violento.
Na manhã desta segunda-feira, quando questionado sobre o crime, Bolsonaro revidou: Agora, o que eu tenho a ver com esse episódio de Foz Iguaçu? Nada . E voltou a dizer que o histórico de violência não é do meu lado. É do lado de lá , referindo-se à esquerda. Ele, que já incentivou a metralhar a petralhada , diz que não quer apoio de pessoas violentas.
Também nesta segunda-feira, à tarde, sob aplausos, o corpo de Marcelo Arruda deixou o local do velório e seguiu, em cortejo, pelas ruas de Foz do Iguaçu, passando em frente à sede da Guarda Municipal, na qual ingressou há 28 anos, na primeira turma.
Fonte: G1, CNN, Correio Braziliense, JC, Carta Capital, Exame, Folha de S. Paulo