SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

UNIDADE CONTRA OS SERVIÇOS PÚBLICOS

Unificados, empresários, comentaristas do mercado, Paulo Guedes e Bolsonaro saem em defesa do “teto de gastos”; o que isso significa e como ele prejudica a população, os servidores e os serviços públicos?

Nos últimos dias, retornou com força ao noticiário nacional a discussão sobre o teto de gastos, impulsionada por uma tentativa do governo, do mercado e das grandes empresas de comunicação de criar uma falsa unanimidade em torno da regra criada em 2016 pelo governo de Michel Temer (MDB). A seguir, o Sintrajufe/RS explica do que se trata o teto de gastos e suas implicações para a vida da população brasileira.

No dia 15 de dezembro de 2016, o Congresso promulgou a emenda constitucional 95, menos de quatro meses após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Essa emenda determinou o congelamento dos investimentos e gastos públicos por um período de vinte anos. Assim, a cada ano, as despesas públicas só podem ser aumentadas no nível da inflação registrada nos 12 meses anteriores. Na prática, a medida engessou toda a máquina pública, impedindo órgãos e instituições de, por exemplo, realizar concursos públicos, reajustar salários e benefícios e ampliar os serviços públicos oferecidos à população. A emenda constitucional 95 não limitou, porém, os gastos com a dívida pública E a possibilidade do governo despejar recursos públicos no mercado financeiro. As transferências de recursos da União para estados e municípios também estão entre as exceções.

De largada, a EC 95 impede que o governo federal e os órgãos e instituições a ele vinculados incrementem os gastos públicos, independentemente de que governo for. Mas o problema vai além: o teto de gastos tornou-se uma justificativa para governantes e gestores que querem que o Estado ofereça ainda menos. Foi o caso, por exemplo, da reforma da Previdência de 2019. Assim, sobra dinheiro para pagar a rolagem da dívida pública e abastecer os especuladores e bancos, enquanto o povo vai sofrendo com a precarização dos serviços públicos – que se junta ao quadro geral de uma dramática crise econômica.

Resultado prático: dezenas de bilhões a menos a cada ano para Educação e Saúde

Em cerca de cinco anos de vigência, a emenda constitucional do teto de gastos já provocou graves efeitos nos serviços públicos. Na Educação, por exemplo, estudo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontou que foram perdidos R$ 32,6 bilhões por conta do teto de gastos apenas em 2019, inviabilizando, por exemplo, a execução do Plano Nacional de Educação 2014-2024. No mesmo ano de 2019, o orçamento da Saúde perdeu R$ 20 bilhões graças à EC 95.

Esses cálculos se baseiam no crescimento das receitas da União e do quanto esses orçamentos poderiam crescer proporcionalmente caso não estivessem limitados à inflação. Assim, em 2017 o governo aplicou 15,77% da receita corrente líquida em saúde, cumprindo a norma que determinava o uso de pelo menos 15% no setor. Após a EC 95, porém, essas receitas foram desvinculadas, e o percentual aplicado em 2019 foi reduzido para 13,54%; caso mantivesse os 15%, o investimento seria de R$ 20 bilhões a mais.

Para 2022, a previsão não é melhor: para o próximo ano, a previsão de perda na saúde é de R$ 25 bilhões. Em 2021, as perdas foram minimizadas pelo orçamento extraordinário, que liberou o uso de recursos de fora do teto de gastos para o setor por conta da pandemia. Para 2022, a norma dos 15% de gastos em saúde implicaria uma despesa mínima de R$ 159 bilhões, mas a previsão, imposta pelo teto de gastos, é de que seja aplicados apenas R$ 134 bilhões. Outros setores fundamentais para a vida da população, como habitação, segurança alimentar e assistência social também estão sendo afetados na mesma proporção.

No Judiciário, EC 95 também é sinônimo de precarização para servidores e para a população que precisa de atendimento

Até 2020, a EC 95 permitia que o Executivo federal “compensasse” o gasto extra dos demais poderes. Foi isso o que ocorreu no Poder Judiciário da União, que, graças à possibilidade de extrapolar o teto, foi capaz de manter seu funcionamento de forma razoável. Mesmo assim, a precarização que, na ponta, estoura no conjunto da sociedade, já é uma realidade para servidores e servidoras. Em 2019, o Poder Judiciário gastou R$ 2,4 bilhões a mais do que o limite estabelecido. Esse respiro não é mais possível, o que deverá agravar o quadro nos órgãos. Esse cenário gera sobrecarga de trabalho e perda de poder de compra dos salários dos servidores, mas também afeta os usuários do Judiciário, que terão seu acesso à Justiça prejudicado pela falta de condições dos órgãos de atender às demandas.

A emenda constitucional estabeleceu que sempre que as despesas obrigatórias superarem 95% da despesa total sujeita ao teto de gastos, alguns gatilhos serão automaticamente acionados, como a proibição de conceder aumento de salário a servidores, de contratar novos funcionários ou de criar bônus. Na prática, porém, não vem sendo necessário o acionamento dos gatilhos, já que suas determinações já estão sendo aplicadas pelos gestores, preocupados em não furar o teto.

Assim, nunca mais os servidores tiveram reajuste salarial. Em outubro de 2020, o TRF2 decidiu suspender posses, nomeações, promoções e benefícios para os servidores e servidoras do tribunal e recomendar aos demais tribunais federais que adotassem o mesmo procedimento – na prática, isso já vinha sendo feito na maioria dos casos. Na Justiça do Trabalho, as discussões sobre uma “reestruturação” que irá fechar e precarizar varas, dificultando o acesso da população, se desenrolam sob a pressão da EC 95. Ao mesmo tempo, cargos vagos não são providos: no TRT4, há cerca de 400 vagas em aberto, mas, em agosto deste ano, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) autorizou o provimento de apenas 22 vagas. O déficit já é de 3 a 4 servidores e servidoras por gabinete no TRT4.

O déficit de servidores não é exclusividade do Judiciário. Desde que assumiu a presidência da República, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) “economizou” R$ 2 bilhões ao não recompor os salários dos servidores públicos, congelados desde 2017, e ao não repor os trabalhadores que se aposentaram ou saíram do serviço público.

Revogação é a única saída para atender às demandas da população

Como se vê, a emenda constitucional do teto de gastos estabeleceu-se como um obstáculo à manutenção, ampliação dos serviços públicos e de mecanismos de distribuição de renda, como o auxílio emergencial. Caso não seja revogada, os gastos seguirão caindo proporcionalmente às receitas. Conforme o Conselho Nacional de Saúde (CNS), os danos para a Saúde, nas duas décadas em que se prevê a aplicação do teto de gastos, são estimados em R$ 400 bilhões. O mesmo vale para outras áreas: o desmonte que já ocorre será aprofundado.

Assim, a revogação da EC 95 é uma necessidade e uma urgência para a população. Conforme estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o teto de gastos, “ao provocar a redução, ou mesmo paralisação, dos investimentos públicos, caminha na contramão da retomada do dinamismo econômico. Assim, dificulta a adoção de políticas anticíclicas de estímulo a economia em um momento de crise generalizada e queda no PIB”. Por outro lado, destaca o mesmo documento, “o gasto público ativa a demanda por bens e serviços que é essencial ao crescimento econômico, principalmente em momentos difíceis como o atual”.

Diferente da unanimidade que empresários, comentaristas econômicos com opinião encomendada, o governo e a imprensa propalam, a crise econômica que se agrava a cada dia, com o crescimento do desemprego, da miséria e da inflação, não poderá ser superada com mais desmonte. A reforma administrativa (PEC 32/2020) que o governo Bolsonaro busca aprovar irá tornar o quadro ainda pior, acelerando a destruição dos serviços públicos. O caminho que interessa aos trabalhadores é o oposto: derrotar a PEC 32 e revogar a EC 95, para estimular a economia, restabelecer os investimentos em serviços públicos de qualidade e proteger os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.