SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

PROJETO AGROECOLOGIA

No Mês do Meio Ambiente, ativistas falam sobre saúde, segurança alimentar e meio ambiente

Em 2022, o Dia Mundial do Meio Ambiente, 30 de junho, marca 50 anos da primeira Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Desenvolvimento Sustentável. No mesmo mês, dois defensores do meio ambiente e dos direitos indígenas, o servidor da Funai Bruno Araújo e o jornalista Dom Philips foram assassinados na Amazônia. Dentro das iniciativas do Projeto Agroecologia, do Sintrajufe/RS, o presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS (CONSEA-RS), Juliano de Sá; o produtor orgânico da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE) Nelson Diehl; e a médica da assessoria de saúde do sindicato Virgínia Dapper foram convidados para falar sobre assuntos como aumento do preço dos alimentos, fome, saúde e defesa do meio ambiente.

A crise de saúde pública, o retorno do Brasil ao mapa da fome, o número de desempregados e pessoas em situação de rua, a perda de direitos trabalhistas, o avanço do pensamento fascista e a violência são marcas dos últimos anos no país. Sob o governo Bolsonaro, foi registrada a maior média de ocorrências de conflitos no campo na história; apenas em 2021, 35 pessoas foram assassinadas no campo, 29 delas somente na Amazônia. Entre as vítimas, 10 eram indígenas e 3, quilombolas. Segundo a ONG Global Witness, dos 227 ambientalistas mortos no planeta em 2021, 20 estavam no Brasil.

No governo de Jair Bolsonaro (PL), os casos de exploração de recursos naturais e danos ao patrimônio natural se intensificaram. Invasores, garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais, fazendeiros e grileiros invadem as terras Indígenas, apropriam-se ilegalmente da madeira, devastam rios em busca de minérios, desmatam e queimam. Contam com a conivência e a impunidade, aproveitando para “passar a boiada”.

Nesse contexto, a bancada ruralista conseguiu aprovar o projeto de lei conhecido como “Pacote do Veneno” (PL n.º 6.229/2002) na Câmara dos Deputados, que flexibiliza ainda mais o marco regulatório de agrotóxicos. Permitindo que agrotóxicos ainda mais tóxicos sejam liberados, muitos destes proibidos em seus países de origem e que direta ou indiretamente afetarão a saúde de toda a população.

Vários desses assuntos serão debatidos na 8ª Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (VIII Cessans – RS/2022). Com o tema “A fome voltou! Medidas já!”, o evento acontecerá de 27 a 28 de julho, no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa.

Agro é pop? Enquanto o agronegócio infla em lucro e em área ocupada, sobem também os números da fome e devastação ambiental. É coincidência que tudo isso cresça junto?

Virgínia Dapper: A alta no preço dos alimentos que vem esvaziando o carrinho de supermercado de boa parte da população brasileira, está longe de ser explicada apenas pela guerra na Ucrânia e pela pandemia como vem afirmando o Presidente Jair Bolsonaro.

O slogan das propagandas transmitidas massivamente traz a ideia de que o modelo do agronegócio fornece todas as coisas boas e necessárias da vida. No entanto, o agronegócio tem como base a produção e a exportação de commodities, em especial a soja transgênica; não alimenta a população e não distribui renda, como mostram dados recentes de pesquisas.

Com um saldo de US$ 43,7 bilhões no acumulado do ano, as exportações do agronegócio brasileiro em abril de 2022, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foram 81,6% maiores que o mesmo mês de 2019, 52,3% maiores que em 2020 e 14,9% que 2021. Contraditoriamente, nesse mesmo período o Brasil voltou ao mapa da fome, e entre 2019 e o fim de 2021, a população vivendo abaixo da linha da pobreza no Brasil saltou, segundo a FGV Social, de 23 para 28 milhões de pessoas. Assim, enquanto o agronegócio infla em lucro e em área ocupada, aumenta também o desmonte de políticas públicas, a inflação, a fome e a degradação ambiental no país.

Como a aprovação do PL do Veneno afeta a produção de alimentos e a saúde dos consumidores e como se pode resistir a esse processo?

Nelson Diehl: A aprovação do PL piora ainda mais a qualidade dos alimentos produzidos no Brasil, pois ampliará a oferta de venenos mais tóxicos e mais eficazes para matar as ditas pragas das lavouras. Esses novos venenos mais tóxicos que estarão no mercado tornarão os alimentos um risco maior para o consumidor pois sempre ficam resíduos por dentro como por fora dos alimentos. Com esse PL, produzido pelo governo e pelo Legislativo, todo o sistema do agronegócio ganhará um impulso.

É importante entender que hoje a maioria dos agricultores – pequenos, médios e grandes – são a terceira geração da Revolução Verde. Eles não sabem o que é produzir sem veneno, sem adubos químicos solúveis sintéticos. São totalmente dependentes em insumos agrícolas fornecidos pelas indústrias de adubos e venenos. Portanto, eles recebem a aprovação deste PL dos Venenos com grande euforia e sem nenhuma visão crítica.

Resistir a este processo é resistir contra um modelo de sociedade que prioriza o negócio e não prioriza a vida nem a saúde do meio ambiente. A questão é fundamentalmente ética. E a sociedade está preparada para paliativos como consumir produtos orgânicos nos supermercados, ir a feiras ecológicas, estimular agricultura familiar, etc. Esses paliativos não atingem 2% da população brasileira. O povo brasileiro precisa ampliar o acesso à boa informação, melhorar a qualidade do ensino, e os governos adotarem políticas públicas que ampliem o acesso aos alimentos de melhor qualidade.

Qual a importância da 8ª Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável neste momento?

Juliano de Sá: Lamentavelmente, menos de sete anos após a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) anunciar a saída do Brasil do mapa da fome, fomos o primeiro país a voltar para esse vergonhoso status. Tão importante quanto fazer referência aos mais de 33,1 milhões de pessoas que passam fome e, aos mais de 125 milhões de pessoas que vivem em algum grau de insegurança alimentar no Brasil, é conhecer os fatores que promoveram esse retrocesso.

Conforme a pesquisa da Rede Penssan, a fome voltou em decorrência do desmonte de políticas públicas e pela extinção do Consea nacional, bem como o desmonte da política nacional de segurança alimentar e nutricional. A pesquisa revela que esses desmontes se iniciaram em 2016, após o golpe, com a aprovação da PEC do fim do mundo, sendo intensificado com a eleição do atual presidente da república e, se agravando com a pandemia da Covid-19.

Neste sentido, baseado na autonomia federativa, embasado na legislação e no Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan-RS), o Consea-RS convocou a VIII Cessans-RS, para aprofundar o diagnóstico da volta da fome no RS e, sobretudo, para apresentar ao Governador as diretrizes de medidas emergenciais e de políticas públicas para o enfrentamento da fome.

Conforme a pesquisa da Rede Penssan, aqui no RS, quase a metade da população vive em algum grau de insegurança alimentar e nutricional, sendo cerca de 9,9% da população que não tem o que comer. A cada 10 lares, em 2 falta comida em quantidade suficiente.

Entendemos que a fome no RS denuncia o descaso do atual governo estadual com a agricultura familiar, por exemplo, que é quem produzem alimentos, e tem cerca de mais de 20% da população passando fome após sucessivas estiagens e nenhuma medida apresentada pelo governador até o primeiro semestre de 2022. Além disso, o estudo aponta a má gestão do Pnae como agravante da insegurança alimentar, confirmando que as compras desastrosas do governo estadual em 2020 ignorando a agricultura familiar e a não utilização de R$ 26 milhões de recursos do FNDE que ficaram guardados enquanto crianças passavam fome em casa e agricultores ficaram sem ter onde vender, contribuíram para esse cenário.

Portanto, a VIII Cessan-RS é um chamado para uma mobilização estadual de enfrentamento à fome com políticas públicas. A situação só não é pior, graças à solidariedade da sociedade civil e dos movimentos sociais. A solidariedade não pode ser tratada como caridade, mas sim um gesto humanitário e que denuncia a ausência do Estado perante sua obrigação prevista na Constituição Federal acerca do 6º artigo, que prevê o direito humano à alimentação. Então, a importância da VIII Cessans-RS será de grande relevância, pois apresentará ao governador as diretrizes das políticas públicas para o enfrentamento da fome.

Como as experiências e as iniciativas coletivas podem se contrapor ao modelo hegemônico e às falsas soluções à crise sistêmica?

Nelson Diehl: Este é o grande desafio da humanidade. Fazer com que as experiências coletivas possam se contrapor ao modelo hegemônico. Nós temos poucas experiências e estímulos para se contrapor. Geralmente são casos isolados ou de curta duração e outras um tanto fantasiosas. Cito por exemplo as feiras ecológicas de Porto Alegre que surgiram na década de 80 da Cooperativa Ecológica Coolmeia, uma cooperativa autogestionária e libertária. A Coolmeia, depois de 30 anos faliu, em 2003, e hoje as feiras ecológicas estão conservadoras, elitistas e paradas no tempo.

Juliano de Sá: As organizações sociais e populares, a partir da sua dinâmica de atuação territorial tem um grande desafio histórico de enfrentar duros tempos da intolerância, do ódio, do desmonte do Estado brasileiro e da volta da fome, a partir das suas lutas. Nosso desafio passa por deixarmos para segundo plano nossas diferenças metodológicas, programáticas ou até de concepções, para a produção de uma agenda coletiva em defesa da vida plena, com políticas públicas, principalmente para aquelas pessoas que mais precisam, superando as culturas do machismo, do racismo, do aparofobismo e de tantos outros preconceitos. Para isso, essa agenda precisa reverberar nas eleições 2022, não só elegendo um projeto na presidência e nos governos estaduais que representem essa agenda comum, mas principalmente elegendo parlamentares estaduais e federais que defendam essa agenda, sem abrir mão da organização popular e social.

Virgínia Dapper: Hoje temos vários exemplos de iniciativas que buscam se contrapor a este modelo inviável para a saúde e à sustentabilidade da nação, como a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e como o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, que agregam representações de diversas entidades e organizações sociais e que neste momento têm liderado e organizado várias ações e mobilizações contra o Pacote do Veneno e a favor do PL que cria a Política Nacional de Redução de agrotóxicos (Pnara), que prevê, entre outros, o fim da isenção de impostos sobre a produção e a comercialização dos agrotóxicos, o crédito rural com juros menores para produtores agroecológicos e várias ações que visam ao estímulo ao consumo de produtos agroecológicos e ao comércio solidário e socialmente justo.

O Projeto Agroecologia do Sintrajufe/RS também é um ótimo modelo de atuação nesse sentido, expondo essa situação para conjunto da sua categoria e assim contribuindo para o debate e a mobilização pelo direito à saúde, à alimentação de verdade e de qualidade e pela busca de um modelo de construção de territórios sustentáveis.

A própria participação na 8ª Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, que será realizada nos dias 27 e 28 de julho, no RS, é fundamental na construção coletiva de um modelo de produção e de viver em sociedade que seja saudável, ético, sustentável e verdadeiramente democrático. Além disso, estamos em pleno ano eleitoral e precisamos garantir que esta nossa pauta seja incorporada nos planos de governo e defendida pelos nossos candidatos eleitos, não apenas para a Presidência, mas também para governadores e parlamentares.

Para saber mais sobre a 8ª Conferência Estadual de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável acesse AQUI.

Para mais informações sobre a Feira de Agricultores Ecologistas – FAE acesse AQUI.