SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

LUTA ANTIRRACISTA

Luta antirracista no Brasil começou com a chegada dos primeiros trabalhadores escravizados

A convite do Sintrajufe/RS, a professora e historiadora Lucia Regina Brito Pereira escreveu sobre a história da luta antirracista no Brasil. Ela mostra que o movimento existe desde a chegada dos primeiros trabalhadores e trabalhadoras escravizados, em sua busca incessante por liberdade.

Com graduação e doutorado em História da PUC/RS, Lucia é assessora técnica da Educação Quilombola e das Relações Étnicas no Departamento de Educação da Divisão de Polí­ticas Especiais da Secretaria da Educação do RS, professora, presidenta interina e representante da secretaria no Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do RS, integrante da Maria Mulher Organização de Mulheres e sócia fundadora e consultora da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as.

A luta antirracista iniciou-se desde que o primeiro negro aportou em terras brasileiras. Considerando que o sistema escravocrata estruturou o que vivenciamos ainda na atualidade, cada perí­odo teve uma caracterí­stica. Na época colonial, predominavam as fugas, os suicí­dios, os ataques aos escravizadores e suas famí­lias, o banzo, tristeza profunda que levava à morte, o não trabalho, a morte de crianças por suas mães, que não desejavam o mesmo destino a sua prole, as fugas constantes para locais de difí­cil acesso.

No Brasil, o processo de fugas deu origem ao sistema mais duradouro de enfrentamento ao sistema escravocrata, a criação do Quilombo dos Palmares. Foram mais de cem anos de sistema econômico, polí­tico e social paralelo à colônia. Muitas foram as investidas para acabar com a organização diametralmente oposta ao regime opressor da escravidão. Palmares era uma ameaça à colônia brasileira; assim, a Coroa não media esforços para acabar com sua existência. Mesmo após a morte do lí­der Zumbi Palmares, continuou existindo. Palmares é o maior e mais duradouro sí­mbolo de resistência e liberdade na história brasileira.

Nascem nesse perí­odo as Irmandades do Rosário, instituições religiosas permitidas pela igreja católica e pela Coroa portuguesa. As irmandades reuniam pessoas escravizadas e libertas tinham como compromisso, além dos preceitos religiosos, a defesa das viúvas e órfãos e a formação de pecúlio para o enterro e ajuda aos associados. No processo abolicionista, contribuí­ram para a compra da liberdade de muitos escravizados.

No Brasil império, essas formas subsistiram, pois a mudança polí­tica não alterou as relações de trabalho; a escravidão continuou a base do sistema. Contudo, a resistência ao sistema violento e opressor ganha outras formas.

Vão surgindo cidades e um estrato social diferente dos senhores de terra, novos pensamentos pulverizam na sociedade. Inicia-se o processo abolicionista, agregando grupos opositores ao sistema do trabalho compulsório. Muitas ações individuais e coletivas vão convergir de diferentes formas para a libertação de escravizados. Entre elas, destacamos a atuação do advogado Luiz Gama, filho de Luiza Mahim, que participou da Revolta dos Malês, em 1835, e da Sabinada, em 1837. Ele fora escravizado por seu pai, levado para o Rio de Janeiro, fugiu para São Paulo, estudou Direito e usou seus conhecimentos para a sua libertação e a de muitas pessoas escravizadas ilegalmente como foi o seu próprio caso, pois sua mãe era livre. Por seus feitos, recebeu o tí­tulo de Tigre da Abolição.

Mais tarde, vão surgir os clubes abolicionistas, que se transformarão em organizações destinadas ao amparo, à assistência e à educação de crianças e jovens, pois é sabido que negros escravizados eram proibidos legalmente de frequentarem a escola pública regular.

No final do Império e iní­cio da República, surgem pelo paí­s muitos clubes e associações negras que permanecem com as ações de amparo às crianças e às viúvas, formação de pecúlio e educação. Vão agregar também mais uma ação, que é a de lazer. Muitas dessas organizações serão denominadas bailantes ou musicais, como é o caso centenária Sociedade Floresta Aurora, que foi criada em 1872, na cidade de Porto Alegre. Essa sociedade persiste até os dias atuais e é um marco da resistência negra no estado e no Brasil.

No perí­odo republicano, encontramos a proliferação de clubes e associações negras por todo o paí­s. Seu objetivo era proporcionar espaço para encontros de lazer e também de preservação identitária. Outra forma de organização foram as associações de auxí­lio mútuo que reuniam trabalhadores por profissão: ferreiros, pedreiros, estivadores. Elas foram as precursoras das organizações sindicais como conhecemos hoje. Nelas, muitos trabalhadores negros se destacaram; na falta de uma legislação, a formação de pecúlio era essencial no surgimento de emergências e para a própria aposentadoria.
Nos anos de 1930, temos uma das organizações mais representativas no paí­s, a Frente Negra Brasileira, que tinha por objetivo realizar aulas de teatro e cursos de formação polí­tica. Chegou a fundar um partido, que foi cassado com a instituição do governo ditatorial de Getúlio Vargas.

No Rio Grande do Sul, a Sociedade Floresta Aurora, o Satélite Prontidão, a União dos Homens de Cor e o Clube Náutico Marcí­lio Dias tinham também suas atividades voltadas para a denúncia da situação da população negra, promoviam atividades educacionais, de lazer e formação polí­tica.

Importante lembrar também da imprensa negra, que desempenhou um papel muito importante desde meados do século XIX, denunciando os casos de racismo, a falta de polí­ticas públicas, a discriminação nas escolas entre outras. No estado, o jornal mais conhecido e duradouro nesse perí­odo foi o Exemplo, de Porto Alegre, fundado por um grupo de homens negros; suas atividades se encerraram em meados dos anos de 1930.

No iní­cio da década de 1970, surge em Porto Alegre o Grupo Palmares, composto por estudantes negros e tendo como um de seus idealizadores o professor e poeta Oliveira Silveira. Entre os feitos do grupo, está a escolha do dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, como a data a ser reverenciada pela população negra, visto que essa representa a luta e a resistência, em oposição ao 13 de maio, dia da abolição que fora uma concessão do Império.

Com a criação do Movimento Negro Unificado, que passa a agregar várias organizações negras, será adota a data do 20 de novembro como sí­mbolo da luta negra no paí­s. Essa organização negra vai atuar de forma incisiva, denunciado a falácia da abolição, a situação vulnerável da população negra, exigindo do Estado brasileiro a criação de polí­ticas públicas efetivas para esse segmento da população.

Em meados dos anos de 1980, surgem as organizações de Mulheres Negras, que terão um papel fundamental na condução das polí­ticas públicas direcionadas para a população negra. No Rio Grande do Sul, destacamos Maria MulherOrganização de Mulheres Negras, criada em 8 de março de 1987, sendo pioneira no Brasil na luta contra o racismo, o machismo e proteção das mulheres e jovens negras e negros.

As organizações negras, ao longo da história brasileira, atuaram de maneira exemplar contra o racismo, denunciando e exigindo polí­ticas para a promoção da população negra. E elas são responsáveis pelos avanços até aqui obtidos em prol da causa negra.

A partir dos anos 1990, haverá um crescendo de polí­ticas direcionadas à promoção da população negra. Reconhecimento pelo governo brasileiro do racismo presente na sociedade, criação de grupos de estudos para levantar a real situação dos negros, a criação de ministérios, fundações e secretarias direcionadas a criar polí­ticas para a população negra, a instituição de leis de reconhecimento de comunidades quilombolas. A promulgação da lei 10.639/2003 torna obrigatório o ensino da história africana e dos afro-brasileiros na educação básica e institui no calendário das escolas brasileiras o 20 de Novembro como data oficial.