SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

INFí‚NCIA AMEAÇADA

Hospitalização de bebês por desnutrição no Brasil atinge o pior ní­vel dos últimos 14 anos

A cada 100 mil nascimentos no Brasil, 113 bebês de até 1 ano de idade são internados com insuficiência de nutrientes, desidratados e com quadros de infecção. Os dados, de 2021, mostram o pior í­ndice de desnutrição infantil dos últimos 14 anos. Trata-se de aumento de 10,9% em relação a 2008 (101,9 casos de hospitalização), ano de iní­cio do perí­odo analisado.

Em números absolutos, 2.939 crianças nessa faixa etária precisaram de internação no ano passado, segundo pesquisa inédita do Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As informações foram divulgadas pelo Estadão.

O problema está mais acentuado entre bebês que vivem nas regiões Nordeste e Centro-Oeste do paí­s. O que essas hospitalizações por desnutrição representam? Não é só fome. Há todo um contexto de vulnerabilidade social envolvido , explica Cristiano Boccolini, coordenador do Observa Infância e responsável pela análise, feita com dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

Existe um contexto de baixa taxa de saneamento e de disponibilidade de água potável, que aumenta a suscetibilidade a infecções por pneumonias e diarreias , afirma Boccolini.

Segundo ele, a situação é grave porque doenças infecciosas debilitam muito a saúde das crianças, principalmente quando se fala de bebês com menos de 1 ano. Soma-se um quadro de ausência, privação ou diminuição de consumo energético com um contexto social desfavorável. Isso no corpo de uma criança, que é muito vulnerável. É aí­ que entram a desnutrição, as infecções e as hospitalizações.

A situação mais complexa é registrada no Nordeste, onde o número de hospitalizações está 51% maior do que a taxa nacional, que ficou em 113 internações por 100 mil nascimentos em 2021. Na região, ocorreram 171,5 hospitalizações nessa faixa etária para cada 100 mil nascimentos, conforme a análise da Fiocruz.

A criança vem ao hospital para comer

Boa parte do tratamento consiste em alimentar a criança, na medida adequada do que ela puder receber de comida no momento, além de propiciar suplementos de vitamina e sais minerais. Para Ruben Maggi, pediatra do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), no Recife, a desnutrição não é uma doença médica, mas sim uma doença social.

Não é soro na veia, não é antibiótico, não é oxigênio, não é nebulização. A criança vem ao hospital para comer , diz Ruben Maggi, pediatra do IMIP.

De acordo com dados divulgados neste ano pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), o Norte e o Nordeste reúnem estados com alto percentual de crianças vivendo em condição de insegurança alimentar. A pior situação é do Maranhão, onde 63,3% das casas com crianças menores de 10 anos estão em situação de insegurança moderada “ em caso de quantidade insuficiente de comida “ ou grave, caracterizada pela privação de alimentos e fome. Em seguida, aparecem Amapá (60,1%) e Alagoas (59,9%).

No Centro-Oeste, chama a atenção o quadro do Distrito Federal e de Mato Grosso do Sul, com percentual de 42,9% e 40,7%, respectivamente, de insegurança alimentar moderada e grave em lares com crianças com menos de 10 anos, conforme o estudo do Penssan. A pesquisa do Observa Infância, da Fiocruz, que coletou os dados em setembro deste ano, apontou que a região tem a 2ª maior taxa de internação de bebês menores de 12 meses por desnutrição em 2021.

É a grande produção agrí­cola do Paí­s (Centro-Oeste), mas sua própria população de baixa renda não está bem assistida , aponta Leonor Maria Pacheco, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasí­lia (UnB). É um grande exportador, e nessas terras sobra pouco espaço para produção ligada à pequena agricultura, que é quem na verdade alimenta o Brasil.

Apesar de Nordeste e Centro-Oeste aparecerem com a maior taxa de internações, no estudo do Observa Infância, especialistas ressaltam que o dado de hospitalizações de bebês por desnutrição no Norte pode estar subnotificado “ o que poderia mascarar a realidade local.

A região Sul foi a única em que caiu a taxa de hospitalização por desnutrição em menores de 1 ano entre 2020 e 2021, passando de 110,6 por 100 mil nascidos vivos para 107,1.

Transição de alimentação

O cenário da fome preocupa, especialmente, no caso de bebês a partir dos 6 meses, estágio em que a amamentação deixa de ser exclusiva e começa a introdução de outros alimentos na dieta, como papas com cereais, frutas, vegetais, proteí­na animal e feijão. Se esse bebê estiver em uma famí­lia com insegurança alimentar grave, quando completar 7 ou 8 meses, ele vai se desnutrindo diante da escassez completa de alimentos , explica a nutricionista Daniela Frozi, integrante da coordenação executiva da Penssan.

O Estadão entrevistou Maí­sa da Conceição Santos, que vive em Brazlândia, cidade-satélite de Brasí­lia. O bebê Diogo, de 1 ano e 5 meses, já deveria ter deixado o perí­odo de amamentação e começado a introdução alimentar. Mas, na ausência de alimentos de qualidade, o leite materno tem sido a solução encontrada por Maí­sa. O restante da famí­lia vem comendo, basicamente, arroz “ raras vezes, há salsicha no prato.

Ele tá só no peito. Eu tentei tirar, mas como que tira? Não tenho outras coisas para ofertar para ele , conta Maí­sa. O tamanho dele parou e, ao invés de ele engordar e o peso subir, Diogo está só mantendo o que ele já tem. A médica disse que o leite não está sustentando mais ele.

No momento em que o leite deixa de ser suficiente, se inicia um triste ciclo: desnutrida, a criança fica mais vulnerável a infecções, que podem gerar novos quadros de desnutrição. Isso aumenta as chances de morte de modo significativo , diz Maria Paula de Albuquerque, vice-coordenadora do grupo de pesquisa em nutrição e pobreza do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP).

Em alguns casos, a desnutrição começa antes do desmame, ainda no útero. Se a mãe está desnutrida, quem mais vai adoecer é a criança , afirma Fabí­ola Suano de Souza, presidente do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Especialista em nutrologia pediátrica, Janaí­na Silva reitera o alerta: Uma mãe sem nutrição adequada pode gerar um bebê que tenha hipoglicemia logo após o nascimento, o que causa lesões cerebrais e impactos no desenvolvimento neuropsicomotor .

Fonte: O Estado de S. Paulo