SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

DESTAQUE

Governo aposta na manipulação de dados para mascarar avanço da pandemia

No último sábado, 6, matéria do jornal O Estado de S. Paulo repercutia declaração do ex-futuro secretário do Ministério da Saúde, Carlos Wizard, em que afirmava que o governo quer “rever os critérios dessas mortes (por covid-19)” e que uma “equipe de inteligência militar” havia identificado sinais de fraude em informações de estados e municí­pios. Ao que parece, a “inteligência militar”, que não se sabe exatamente do que se trata, faz parte do jogo de manipulação e descrédito dos já subnotificados indicadores deixando a população ainda mais vulnerável ao avanço da pandemia.

Na última semana, o governo federal decidiu mudar a forma de divulgação dos dados referentes à pandemia. Uma das mudanças é que não são mais divulgados os dados consolidados, os números totais registrados desde a chegada da pandemia ao Brasilagora o governo apresenta apenas os dados das últimas 24 horas. Outra modificação aconteceu no horário das divulgações, empurrado para as 22h. O próprio Bolsonaro deixou escapar a intenção da alteração: Acabou matéria no Jornal Nacional , disse o presidente sobre a mudança, deixando claro que, uma vez mais, abandona o interesse público para favorecer suas rixas particulares e troca a necessidade da população de estar informada por seus interesses privados.

Na noite de sexta-feira, 5, o site do governo federal com os números da pandemia saiu do ar e, quando voltou, já no final da tarde de sábado, estava reformulado e com menos dados do que a versão anteriorpor exemplo, sem as informações detalhadas por estado.

No último domingo, 7, Bolsonaro adicionou um novo elemento à tática da desinformação: o ministério das Saúde divulgou dois conjuntos de dados divergentes sobre o avanço do novo coronaví­rus. O primeiro balanço apontava 1.382 mortes e 12.581 casos confirmados nas últimas 24 horas. Depois, no painel oficial do ministério, foram informados 525 óbitos e 18.912 casos. Um caminho certo para gerar descrédito sobre os dados da pandemia.

Ao mesmo tempo, as mudanças recordam a fala do ministro-chefe da secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos, em abril, de que era necessário apresentar notí­cias positivas sobre a pandemia. Na ocasião, em uma declaração que lembrou a época da ditadura militar, o general/ministro criticou a cobertura maciça de fatos negativos em relação ao tema, cobrando outra abordagem, mais favorável, dos órgãos de imprensa.

Em 19 de maio, seguindo essa linha, o ministério da Saúde parou de divulgar a í­ntegra dos boletins em redes sociais. Em vez do boletim completo com mortes e casos, o ministério passou a compartilhar publicações otimistas da Secretaria de Comunicação do Planalto, que já vinha divulgando desde o final de abril um chamado Placar da Vida , que inclui apenas o número de infectados, recuperados e em recuperação , sem mencionar o número de mortos em decorrência da doença.

Reações à falta de transparência

Especialistas do Brasil e de outras partes do mundo têm criticado a falta de transparênciao paí­s chegou a ser excluí­do da contagem da Universidade Johns Hopkins, que compila dados de todo o planeta. O professor da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas Fernando Nogueira afirmou, a reportagem da Isto É, que, em termos de comunicação pública, não podemos dizer que essa mudança serve aos interesses da sociedade; está claramente voltada para interesses polí­ticos . Na manhã desta segunda-feira, 8, diversos órgãos de imprensa anunciaram uma parceria para buscar e consolidar os dados sobre o novo coronaví­rus a partir das informações dos estados. A ação colaborativa será realizada por G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL.

Ainda nesta segunda, o diretor de emergências da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, falou sobre a necessidade de transparência nos dados: “É muito importante, ao mesmo tempo, que as mensagens sobre transparência e divulgação de informações sejam consistentes, e que nós possamos contar com os nossos parceiros no Brasil para fornecer essa informação para nós, mas, mais importante, aos seus cidadãos. Eles precisam saber o que está acontecendo”

No domingo, 7, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que reúne os gestores dos 26 estados e do Distrito Federal, inaugurou um portal “paralelo” para divulgar os dados da pandemia no paí­s. O presidente do Conass, Alberto Beltrame, criticou o novo modelo de divulgação dos dados pelo governo federal. Para ele, essas informações são propriedade do povo brasileiro, não dos estados e nem do Ministério, que tem o direito inalienável de ter conhecimento dessa informação .

Falta de transparência não é novidade no governo Bolsonaro

Em março, quando a pandemia recém chegava ao Brasil, Bolsonaro publicou a medida provisória (MP) 928, que alterava a Lei de Acesso à Informação (LAI). Segundo a LAI, o governo deveria responder os questionamentos enviados por qualquer cidadão em até 20 dias. Com a MP, o prazo fica suspenso e serão atendidos prioritariamente os pedidos relacionados às medidas de enfrentamento da pandemia. Bolsonaro também determinou que os pedidos não terão direito a recursos. Anteriormente, os solicitantes que tinham suas requisições negadas tinham direito a recorrer em até duas instâncias. Parte da MP foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

O governo Bolsonaro já havia feito um ataque à Lei de Acesso à Informação em janeiro de 2019, quando o então presidente em exercí­cio, general Hamilton Mourão, modificou a norma, permitindo que servidores públicos comissionados decretassem sigilo por 25 anos de informações públicas. Esta prerrogativa cabia somente a presidente, vice, ministros, comandantes das Forças Armadas e chefes em missões diplomáticas. No Congresso Nacional, o decreto foi derrubado. Segundo um levantamento inédito da Agência Pública, durante o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro aumentaram as negativas do governo federal realizada a pedidos de informação feitos por cidadãos. Só no ano passado, foram 45 deles negadosmais de cinco vezes o total de negativas em 2018, durante a gestão de Michel Temer.

Com os crescentes ataques à transparência e ao direito da população à informação, o governo Bolsonaro mostra mais uma vez sua polí­tica autoritária e o pouco apreço de suas lideranças à democracia. Além disso, ao mesmo tempo em que se omite no combate à pandemia e atua, pelo contrário, para agravar a crise, prejudica os setores que de fato têm trabalhado para defender a vida dos brasileiros, já que, sem informações confiáveis e com a ampliação da confusão entre a população, essa se torna uma tarefa ainda mais difí­cil. Em nome de seus interesses pessoais e da busca por ampliar seu poder e fechar o governo, Bolsonaro rifa a vida e os direitos dos brasileiros e das brasileiras e se esconde atrás da opacidade das informações.

Com informações da Rede Brasil Atual, Isto É, O Estado de S. Paulo e G1.