Nessa quinta-feira, 27, o Sintrajufe/RS deu sequência à jornada de formação “A saúde dos trabalhadores e trabalhadoras ameaçada: trabalhar, sim, adoecer, não”. Esse foi o quinto painel de uma série de seis encontros que acontecem até 2 de junho. O tema dessa quinta foi “Trabalhar sim, adoecer não” e teve como painelistas o médico do trabalho e professor da Ufrgs Álvaro Merlo e a psicóloga do trabalho e pesquisadora Fernanda Duarte.
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O painel foi apresentado pelo diretor do Sintrajufe/RS Edson Borowski e mediado pelas diretoras Clarice Camargo e Luciana Krumenauer. Nessa edição, a jornada estreou a prática da autodescrição auditiva, para maior inclusão da audiência.

O convidado e a convidada explanaram sobre causa e desenvolvimento atual das relações doentias no trabalho. Em comum, ambos apontaram que as soluções só são possíveis dentro da coletividade dos trabalhadores. Também lamentaram o enfraquecimento do movimento sindical imposto pela última reforma trabalhista. Luciana Krumenauer falou sobre a importância da solidariedade, do “olho no olho” nas relações de trabalho, dos encontros onde conversamos. E destacou que “os sindicatos, sim, foram precarizados, mas a gente ainda tem a força. Graças aos sindicatos, muitas relações continuam se mantendo!”
Produtividade impossível
“Os pacientes dizem: ‘O patrão ficou maluco!’, parece um slogan publicitário, mas é isso mesmo. Estava tudo bem, mas a empresa recebeu um capital de fora, ou foi trocada, ou foi comprada, e o chefe imediato enlouqueceu, começou a fazer coisas que não fazia.” Assim iniciam narrativas, segundo Merlo, que refletem uma prática de assédio tão intensa que pode levar trabalhadores e trabalhadoras a repetidas tentativas de suicídio.
O médico apresentou um trabalho intitulado “O Trabalho na Contemporaneidade: Reestruturação Flexível e Financiarização do Mundo do Trabalho”, no qual explica como as novas estruturas financeiras das empresas vêm criando uma exigência de produtividade impossível, que pressiona o trabalhador e a trabalhadora, levando-os a adoecer.
Atualmente, vigora uma prática chamada de leverage buyout. O empresário investe numa empresa onde entra com 20% de capital próprio e banca os 80% restantes com empréstimos. A dívida impõe que a empresa gere dinheiro desesperadamente, levantando capital em quatro ou cinco anos, para depois lucrar com a venda do empreendimento. Normalmente, é um processo gerenciado por investidores que não entendem nada de processos de trabalho, exigindo uma produtividade extrema sem sequer um planejamento. A pressão dos acionistas torna-se imperativa, exige ajustes instantâneos e a modificações nos processos de trabalho para manter o lucro trimestral. Isso proporciona um ambiente de trabalho onde não há margem de manobra. Trabalham com intensa redução de efetivos, o que coloca sob tensão os que ficam e os que são excluídos, explica o médico.
Em seu trabalho, Merlo apresentou ainda o vídeo de entrevista de uma médica francesa, Marie Pezé, onde se levantam alguns pontos importantes: o sofrimento no trabalho, hoje em dia prioritariamente psicológico, causa um quadro clínico específico chamado patologia da sobrecarga, que ocorre em todos os níveis e categorias; as relações de trabalho adoecem porque o trabalho por si é um construtor de nossa identidade em nível simbólico, um pacificador social que traz utilidade para nossas pulsões descobertas ainda na infância; o incentivo ao desemprego aparece pontualmente como uma reação à situação de violência no trabalho, mas não apresenta uma solução para o problema; o principal problema nas relações de trabalho é a falta de sentimento de coletividade, já que vigora a competitividade, de modo que quando um trabalhador é assediado, os outros se omitem e não fazem nada; a precariedade se tornou um método de gerência, levando à obediência por medo da perda do trabalho; e, finalmente, que esta não é uma questão de vulnerabilidade individual, mas uma questão coletiva fruto do aumento da velocidade e exigência de produtividade.
Herança da escravatura e patologia da gratidão
A pesquisadora Fernanda Sousa Duarte lembrou que é uma característica específica das relações de trabalho brasileiras a existência de quatro séculos de escravidão, o que muitas vezes torna os instrumentos de avaliação estrangeiros inadequados para a análise da nossa realidade. Ela explica que isso acontece porque só se estuda a história das relações de trabalho a partir do século XX. Isso deixa de fora o estudo da influência religiosa no trabalho, a construção de uma noção de moralidade. “Existem manuais de administração do trabalho escravo que trazem noções de bom tratamento da escravatura muito semelhantes às praticadas hoje em dia. Uma delas era a instalação de enfermarias para os escravizados, cuja principal função era verificar se um escravo estava realmente doente a ponto de poder se afastar do trabalho, o que não é tão diferente da atualidade.”
Fernanda também aponta a competitividade como um dos fatores patológicos nas relações de trabalho. “A maior parte das queixas, hoje, é sobre gestão. Depois sobre conflitos interpessoais e, em seguida, a sobrecarga de trabalho. Isso mostra como o controle influencia nos quadros de adoecimento no trabalho”, afirma.
Outro fator apontado pela pesquisadora é a “patologia da gratidão”. “A gratidão em si é ótima. Mas, se essa gratidão faz a pessoa sentir culpa por ter acesso a algo que não devia ser exclusivo, mas de amplo acesso à população, acho que aí é que está o problema.” A psicóloga diz referir-se ao sentimento de que não se pode reclamar de nada, já que se tem um trabalho. A percepção de que o trabalho é um privilégio, e não um direito. Isso levaria a um silenciamento, o profissional não pode falar do que o incomoda no trabalho com ninguém, nem mesmo com a família, por essa “gratidão compulsória”, silêncio que leva a um maior sentimento de solidão e angústia, que acaba culminando em burnout e até em ideação suicida. “É possível ser grato por algo e ao mesmo tempo identificar problemas nisso”, disse Fernanda, afirmando que “a única possibilidade de destino (para esse sofrimento laboral) que eu vejo é a partir da coletividade. Não consigo conceber isso sendo sanado individualmente.”
A patologia da gratidão é algo bastante identificável no serviço público, por vários processos de ataques aos servidores e servidoras que foram rotulados de privilegiados, particularmente a partir da ascensão do neoliberalismo nos anos 1990 e seguem até hoje enfrentando preconceitos. Esse silenciamento imposto faz com que muitas vezes colegas trabalhem adoecidos e sob forte sofrimento invisível.
O Sintrajufe/RS está de portas abertas, tem estrutura e quer acolher todas e todos que precisarem de apoio. Para esses casos, o sindicato recomenda fazer contato pelo telefone (51) 99568-2078 ou pelo e-mail saude@sintrajufe.org.br.
Na próxima semana, 2 de junho, acontece o último evento da Jornada de Formação. Na oportunidade, a palestrante será a psicóloga e professora de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília, UNB, Ana Magnólia Mendes, que abordará o tema “Desejar, Falar, Trabalhar”.
A jornada de formação fornece certificados de participação mediante preenchimento do formulário linkado no box de informações.
Todos os eventos da jornada são transmitidos pelo canal do YouTube do Sintrajufe/RS e Facebook do sindicato. Entidades parceiras também fazem a divulgação e/ou retransmissão de cada painel.
Entidades parceiras:
TRT4 e Escola Judicial do TRT4
Fenajufe (Judiciário Federal e MPU) e Fenajud (Judiciário Estadual)
CUT/RS, CUT Regional Centro RS (Santa Maria e região) e FSST
Sindicatos do Judiciário Federal/MPU: Sindjuf/PA-AP, Sintrajuf/PE, Sisejufe/RJ, Sintrajusc/SC e Sindiquinze/SP
Sindicatos do Judiciário Estadual: Sindjustiça/GO, Sindijus/PR e SinjuSC/SC
Sindicatos de outras categorias: Assufsm, Cpers/RS, Semapi/RS, Sindiágua/RS, Sindipetro/RS, Sindjor/RS, APP Sindicato (educação pública do Paraná)