SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

SÓ GOVERNO NÃO VÊ

Economista que preside o Ipea diz que a fome não aumentou no Brasil; servidores do órgão protestam

Técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estão inconformados com uma tentativa do presidente do órgão, o economista Erik Alencar de Figueiredo, ligado a Paulo Guedes, de negar que a fome tenha aumentado no Brasil. Sem aval de pesquisadores e contrariando a lei eleitoral, Figueiredo assinou um documento que contraria todos os estudos realizados por instituições sérias no último perí­odo.

Figueiredo, que é presidente da fundação desde março e ex-subsecretário de Polí­tica Fiscal da equipe do ministro Paulo Guedes, diz que o aumento da fome deveria ter resultado em um choque expressivo no aumento de internações por doenças decorrentes da fome e da desnutrição, além de um número maior de nascimentos de crianças com baixo peso: De forma surpreendente, esse crescimento [de insegurança alimentar e desnutrição] não tem impactado os indicadores de saúde ligados à prevalência da fome, o que contraria frontalmente a literatura especializada , afirma, no documento.

O material assinado por Figueiredo não foi discutido nem recebeu parecer de outros pesquisadores, diferentemente do que costuma ocorrer. Em nota, a Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea) afirmou que a divulgação desses dados constitui uma violação da legislação eleitoral, que proí­be a publicidade institucional nos 90 dias que antecedem as eleições. Os técnicos do Ipea entendem que não podem nem dar entrevistas no perí­odo eleitoral. Tradicionalmente, o intervalo é usado para a organização e sistematização de estudos e pesquisas, que passam a ser divulgados ao fim do embargo.

Dados reais mostram tragédia social

Especialistas entrevistados por diversos veí­culos de imprensa apontam que os dados apresentados por Figueiredo não podem levar às conclusões afirmadas pelo presidente do Ipea. Isso porque as fontes utilizadas não foram adequadas e, também, porque os efeitos da fome demoram para aparecer no sistema de saúde.

Ao jornal Folha de S. Paulo, a pesquisadora Patricia Jaime, do departamento de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), cita que dados do próprio Sistema único de Saúde (SUS) apontam em sentido contrário às conclusões de Figueiredo. Os números do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), que é usado na atenção básica e registra atendimentos dos postos de saúde, mostram que desde 2017 tem havido aumento gradativo, com uma piora recente, na magreza e magreza extrema.

Uma fonte do portal Metrópoles que já comandou uma diretoria no Ipea em governos anteriores explicou que os dados não necessariamente estão errados, mas a interpretação é estranha . Essa fonte considera que a divulgação do estudo, assinado tão somente pelo presidente do órgão, possui um fim eleitoreiro cabal e poderia, inclusive, ser enquadrada como crime eleitoral, já que a legislação impede os órgãos públicos de emitir opinião sobre governos a 90 dias das eleições.

O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, elaborado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) e executado pelo Instituto Vox Populi, mostrou que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil atualmente. 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome do que em 2021. A pesquisa mostra que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau “ leve, moderado ou grave (fome). O paí­s regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990. No Brasil de 2022, apenas 4 em cada 10 domicí­lios conseguem manter acesso pleno à alimentação “ ou seja, estão em condição de segurança alimentar. Os outros 6 lares se dividem numa escala, que vai dos que permanecem preocupados com a possibilidade de não ter alimentos no futuro até os que já passam fome. De acordo com o 2º Inquérito, em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar. É um aumento de 7,2% desde 2020, e de 60% em comparação com 2018.

Bolsonaro veta reajuste para merenda escolar

No dia 10 de agosto, Jair Bolsonaro (PL) vetou o reajuste aprovado pelo Congresso Nacional do valor repassado a estados e municí­pios para a alimentação escolar. Os valores não são atualizados desde 2017, mesmo com a inflação galopante no paí­s. O aumento do valor foi aprovado pelo Congresso e incluí­do na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), prevendo o reajuste, com base na inflação, do orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que beneficia os mais de 35 milhões de matriculados em instituições públicas no Brasil. O programa, que é o único do governo federal voltado à alimentação escolar, sofreu uma redução de 20% em valores reais no orçamento entre 2014 e 2019.

A realidade visí­vel

Em julho de 2021, ganharam destaque nacionalmente cenas gravadas em uma fila do osso na cidade de Cuiabá: dezenas de famí­lias esperavam para receber de um açougue doações de ossos. As doações eram feitas pelos funcionários pela porta dos fundos do açougue e serviam para aplacar as fomes das famí­lias, jogadas à miséria pela crise econômica e pela falta de assistência do governo. Um ano depois, em julho de 2022, na região central do Rio de Janeiro, um grupo de pessoas foi fotografado procurando restos de alimentos em um caminhão de coleta de lixo. Outros registros desse tipo se espalharam pelo paí­s nos últimos anos, acrescentando drama à busca, cada vez mais comum, por restos de ossos de boi, pés de frango e outras soluções para o desespero que acompanha a fome em milhões de brasileiros e brasileiras. Em agosto, ganhou repercussão a gravação da ligação de um menino de 11 anos à polí­cia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte: Seu policial, aqui¦ É porque aqui em casa não tem nada para a gente comer. Aqui, minha mãe só tem farinha e fubá para a gente viver , disse o menino.

Com informações do Correio Braziliense, do portal Metrópoles e da Folha de S. Paulo.