SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE

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Direito à aposentadoria é uma conquista quase centenária que precisa ser defendida

Direito à aposentadoria é uma conquista quase centenária que precisa ser defendida

A escolha do dia 24 de janeiro como Dia Nacional dos Aposentados não foi por acaso. A data refere-se à instituição da primeira lei brasileira destinada à Previdência social, em 24 de janeiro de 1923, pelo então presidente Artur Bernardes: a Lei Eloy Chaves. Desde lá, os avanços foram conquistados à custa de muita luta dos trabalhadores e das trabalhadoras, mas também vivemos inúmeros retrocessos, apesar da resistência.

Da conquista da Lei Eloy Chaves à Constituição de 1988

A Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo 4.682/1923), de 1923, obrigou as empresas ferroviárias a criarem, cada uma, uma Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) para os trabalhadores nelas empregados. Naquele ano, 27 empresas instituíram suas CAPs. Foi um primeiro passo que abriria caminho para que o mesmo tipo de órgão fosse criado também em outras empresas. Com as CAPs, para se aposentar era preciso ter 50 anos de idade e 30 de serviço no setor ferroviário. O valor da aposentadoria era pouco menor do que a média dos últimos salários recebidos na ativa, variando de acordo com os ganhos.

Mas a lei Eloy Chaves não foi uma benesse servida de graça pelo governo aos trabalhadores: veio após uma série de grandes greves e protestos dos ferroviários. Na época, o país dependia das estradas de ferro tanto para o transporte de pessoas quanto de mercadorias. Dependia, portanto, dos trabalhadores ferroviários. E eles entendiam a força coletiva que tinham: desde 1906, abriu-se uma série de paralisações e mobilizações nas estradas de ferro, incluindo a participação na greve geral de 1917. Entre as reivindicações, reajuste salarial periódico, direito a férias e, também, a aposentadoria. Os empresários, por sua vez, não queriam mudanças de jeito algum e tentavam de todas as formas burlar a lei, fosse não depositando os valores legais, fosse gastando o dinheiro das CAPs ou impedindo os representantes dos trabalhadores de participarem do conselho de administração das CAPs.

À conquista das CAPs, apesar da oposição dos patrões, seguiram-se outras. Ainda na década de 1920, Caixas de Aposentadorias e Pensões foram criadas também em outros ramos da economia, como o portuário, a navegação marítima e a aviação. Em 1933, nasceram os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs): enquanto as CAPs tratavam cada uma de uma empresa, os IAPs beneficiavam uma categoria inteira. Em 1960, houve a unificação dos dois formatos, sendo fixado um valor máximo para as contribuições e os benefícios, e seis anos depois, em 1966, tanto CAPs quanto IAPs seriam extintos, nascendo o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que seria substituído, em 1990, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O direito universal à aposentadoria fora conquistado dois anos antes, em 1988, como uma garantia constitucional.

Qualidade de vida

Um dos principais argumentos utilizados por quem defende medidas como o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição para a aposentadoria é o aumento do tempo de vida da população. Porém, essa argumentação deixa de lado algo fundamental: justamente por envelhecer mais, a população precisa de mais tempo de suporte do Estado e de mais recursos para manter um bom nível de qualidade de vida na velhice.

Em 2019, em meio ao debate sobre a reforma da Previdência, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI) da UERJ e editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, concedeu entrevista ao site da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Na entrevista, Veras tratou desse ponto: “Hoje em dia a pessoa tem capacidade de chegar aos 80, 90 anos. O período de vida se ampliou, a população brasileira está vivendo mais, mas carregando duas, três doenças crônicas”, disse.

Além disso, há a brutal desigualdade social: “no Brasil, a partir dos 60 anos a pessoa está já absolutamente debilitada porque trabalha de sol a sol, mora longe do trabalho, o transporte público é ruim, são horas para ir e voltar. Isso por muitos e muitos anos, com um salário baixo, pouca qualidade de vida”, destaca Veras, antes de completar: “O maior problema é a perda da qualidade de vida que o conjunto da sociedade esperaria ter ao se aposentar. Ela já era muito pequena e vai ser ainda pior. Você pode até ter dez, 15 anos a mais de vida, mas de uma forma absolutamente precária, com sofrimento. É um absurdo. A grande conquista que é a possibilidade de você viver mais acaba se tornando um grande sofrimento, porque você não tem condições para usufruir”. Uma aposentadoria segura e com suporte social é, portanto, fundamental. Para Veras, “é uma violência muito grande o Estado brasileiro não permitir que os seus idosos envelheçam em paz”.

Ameaças, ataques e retrocessos

A compreensão da importância da aposentadoria, porém, não é unânime. Esse direito não chegou aos trabalhadores naturalmente, mas com muita luta, e só assim pode ser mantido. Não falta quem o ataque: se os empresários das ferrovias de 1923 não o aceitavam, os poderosos de hoje aumentam a pressão pela redução do custo do trabalho eliminando qualquer tipo de direito ou salário diferido.

A reforma da Previdência que Michel Temer (MDB) não conseguiu aprovar em seu curto governo foi aprovada logo a seguir, com Jair Bolsonaro (sem partido), aumentando a idade mínima e o tempo de contribuição, aumentando as alíquotas e enfraquecendo a Previdência pública. O objetivo final ainda não foi alcançado: implementar no Brasil o modelo chileno, que, na prática, transferiu a aposentadoria dos trabalhadores e das trabalhadoras para o jogo de azar do mercado financeiro, desprotegendo a população e jogando idosos na miséria. Esse projeto está inserido na mesma lógica da reforma trabalhista que Temer aprovou, desregulamentando o trabalho e permitindo que os empresários façam o que quiserem – como defendiam os donos das empresas ferroviárias de um século atrás.

O desmonte da Previdência pública carrega diversas consequências que favorecem os poderosos e prejudicam os trabalhadores. Saem fortalecidos os banqueiros e especuladores, na medida em que os recursos vão sendo transferidos para planos de previdência privada, ao mesmo tempo em que o Estado libera dinheiro para o pagamento da dívida pública. Ainda, aumenta o “exército de reserva”, com mais gente obrigada a permanecer a vida toda no mercado de trabalho, puxando para baixo os salários e para cima a taxa de lucro dos grandes empresários.

Para os trabalhadores, resta a grave piora da qualidade de vida e a geração de lucro para os mais ricos como propósito de vida. Ao mesmo tempo, com o aumento do tempo de contribuição e os baixos benefícios oferecidos, a tendência é de migração de muitos para planos de previdência privada, que não oferecem garantias de retorno aos aposentados e cujo fortalecimento implica, na outra ponta, no risco de colapso da Previdência pública por falta de contribuintes.

Resistência e mobilização

Não há, da parte dos trabalhadores e das trabalhadoras, outra saída a não ser a luta coletiva. Foi esse o caminho trilhado pelos ferroviários que garantiram as primeiras conquistas previdenciárias e é esse o caminho que deve ser seguido agora. A diretora do Sintrajufe/RS Mara Weber aponta que “o direito à aposentadoria digna é uma das lutas mais caras ao movimento sindical ao longo da história. A narrativa neoliberal, hegemônica hoje, transforma direitos em privilégios e, no Brasil, tivemos retrocessos severos no sistema previdenciário”. Medidas aprovadas recentemente, destaca Mara, geraram degradação no setor: “a perda de arrecadação imposta pela precarização do trabalho produzida pela reforma trabalhista e pela estagnação do desenvolvimento do país pode colapsar o sistema. A reforma da Previdência tornou o direito à aposentadoria uma miragem para as trabalhadoras e os trabalhadores do Brasil. Impactou também os já aposentados e as já aposentadas com aumento de alíquotas, que podem aumentar ainda mais no serviço público”. Mas a luta segue: “As aposentadas que compõe hoje a direção do Sintrajufe/RS têm plena consciência dessa realidade e decidiram abrir mão de seu tempo livre conquistado pela aposentadoria para cerrar fileiras com os e as colegas da ativa. Não temos dúvidas da necessidade de manter a resistência, enfrentando os ataques e também preparando terreno para reconquista de direito e conquista de novos direitos. Não temos certeza da vitória. Nossa certeza é com o compromisso de estar na luta e de manter sempre a nossa categoria informada, formada e mobilizada e defender atuais e futuros aposentados e aposentadas”.

Também diretora do Sintrajufe/RS, Marta de Borba Kafruni está aposentada desde março de 2019. Ela conta que foram trinta anos de trabalho, vivenciando os diferentes períodos e transformações pelos quais passou o serviço público. Ela destaca as perdas significativas de direitos nos últimos anos, incluindo mudanças na Previdência que impactaram diretamente no direito às aposentadorias. Além disso, destaca Marta, “as alíquotas sofreram aumento e isso impactou diretamente os aposentados, numa situação em que, além das perdas que sempre ocorrem por uma ou outra rubrica que se deixa de receber, é sabido que na idade avançada a demanda por medicamentos e tratamentos médicos acaba por infligir aos aposentados uma nova adequação de gastos para enfrentar essa realidade”. Marta lembra que “os novos servidores já não irão se aposentar acima do teto da Previdência e a reforma administrativa, como todos sabemos, será ainda mais acachapante. O desmonte do serviço público já foi iniciado e o atual governo acena com a possibilidade de demissões e cortes de salários, tudo para justificar sua incompetência. Não podemos deixar que isso aconteça. É preciso a garantia da aposentadoria a todos os servidores, sem mais cortes e com a paridade mantida”, defende.

Maria Elisabete Junges, aposentada do TRT4, ex-diretora do Sintrajufe/RS e ex-coordenadora do NAF, aponta que “o dia 24 é uma data para dar parabéns a aposentados e aposentadas, colegas que permanecem na luta, com força e coragem, ainda mais em tempos tão difíceis, onde enfrentamos duas pragas, o coronavírus e o governo Bolsonaro. Para uma, felizmente, chegou a vacina. A segunda, continuamos na luta para derrotarmos. É importante, como disse a ex-presidenta, que nos mantenhamos mobilizados e mobilizadas, unidos e unidas e em paz. A luta pela democracia não tem data para terminar. É luta permanente. Por isso, na defesa dos seus direitos, aposentados e aposentadas merecem respeito e devem continuar sempre na luta”.

Com informações de Agência Senado, Portal da Câmara, JusBrasil e FioCruz.