SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

DESTAQUE

Com descaso de empresários e governos, frigorí­ficos ajudaram a disseminar ví­rus no Brasil; trabalhadores lutam por proteção

A chegada ao Brasil da pandemia do novo coronaví­rus afetou a vida de todos os brasileiros e brasileiras. Mas boa parte dos efeitos da doença, mortes e contaminações poderiam ter sido evitados. É o caso da ampla disseminação do ví­rus em frigorí­ficos, onde, na ausência de regulações por parte dos governos, muitos empresários demoraram para adotar medidas simples de proteção aos trabalhadores e às trabalhadoras e ainda se negam a aplicar ações fundamentais para frear os surtos que se avolumam nesses locais. Graças à irresponsabilidade e ao descaso de empresários e governantes, os frigorí­ficos transformaram-se em um dos vetores fundamentais pela disseminação do ví­rus no Brasil. Por isso, o Sintrajufe/RS relata nesta matéria o caminho do novo coronaví­rus numa das cadeias de produção mais importantes no Rio Grande do Sul.

Na última semana, o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou informações que retratam o desastre da falta de condições de trabalho no Brasil, mesmo para trabalhadores e trabalhadoras com carteira assinada, e ajudam a entender porque somos hoje o epicentro da pandemia do novo coronaví­rus. Ajudam a entender, também, o grande crescimento de casos e mortes no Rio Grande do Sul. Já são mais de 6 mil trabalhadores e trabalhadoras de frigorí­ficos infectados e infectadas no estado, gerando a ampliação dos casos nas cidades onde esses locais estão sediados.

Dados assustadores

Conforme o MPT, houve crescimento de 40% dos casos entre esses trabalhadores de 19 de junho (4.385) a 13 de julho (6.202). São 39 unidades frigorí­ficas no Rio Grande do Sul, com 35.850 trabalhadores. Dessas unidades, 14 têm mais de 100 casos confirmados do novo coronaví­rus. E, dos trabalhadores, 17% estão infectados, sem considerar a grande subnotificação, já que, em boa parte dessas unidades, não está havendo testagem em massa. No dia 12 de julho, o estado tinha pouco mais de 39 mil casos confirmados, 16% deles entre trabalhadores e trabalhadoras de frigorí­ficos. Não por acaso, cidades como Passo Fundo e Lajeado foram os primeiros focos da doença no Rio Grande do Sul. Enquanto, no dia 12 de julho, eram 6.202 trabalhadores de frigorí­ficos com confirmação de infecção pelo novo coronaví­rus, nenhum municí­pio do estado atingiu essa marca: Porto Alegre, cidade com maior número de infectados, tinha 3.928 casos confirmados, seguida justamente por Passo Fundo e Lajeado.

Nacionalmente, a situação não é melhor. Com base em dados de locais onde foram feitas testagens massivas, levantamento realizado pela Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac) estima que o setor do agronegócio tenha de 25% a 50% de seus funcionários infectados com o novo coronaví­rus, o que representaria de 200 mil a 400 mil casos. 22 estados já tiveram surtos de contaminação em matadouros.

Os frigorí­ficos e matadouros tiveram surtos do novo coronaví­rus em diversas partes do mundo. Nos Estados Unidos, único paí­s com mais casos confirmados e mortes do que o Brasil, a situação é similar, com diversos registros de surtos, com o ví­rus infectando os trabalhadores e, a partir deles, espalhando-se pelas cidades que sediam os frigorí­ficos.

Condições de trabalho potencializam exposição

As formas de transmissão do novo coronaví­rus são muito variadas, assim como seus focos de contágio. Mas os frigorí­ficos, especialmente quando a proteção aos trabalhadores não é prioridade, redobram os riscos. São ambientes com grande concentração de trabalhadores em ambientes fechados, quase sem renovação do ar, com baixas temperaturas e alta umidade e com grande proximidade entre os trabalhadores. As condições de trabalho, que já eram difí­ceis antes da pandemia, ganharam ainda esse risco de infecção.

O Ministério Público do Trabalho tem atuado para reduzir o problema. Dos 39 frigorí­ficos que atuam no Rio Grande do Sul, o MPT já firmou termos de ajustamento de conduta com pelo menos 24. Em alguns casos, ações judiciais foram necessárias para garantir adequações. Houve, ainda, situações de locais que chegaram a ser interditados, em frigorí­ficos da JBS e da BRF. Nesta sexta-feira, 17, o TRT4 decidiu que todos os funcionários e funcionárias do frigorí­ofico da JBS em Três Passos fiquem em casa por pelo menos 14 dias. Procuradores do trabalho afirmam que o surto de coronaví­rus afetou 40% dos funcionários da fábrica.

Mesmo com as ações do MPT, os governos movem-se apenas quando interesses comerciais são afetados. Sob ameaça de suspensão das importações pela China, tanto o governo federal quanto o estadual estabeleceram alguns regramentos, mas que, como os números demonstram, não vêm garantindo a segurança de trabalhadores e trabalhadoras.

Mesmo insuficientes, essas medidas, muitas vezes, não têm sido seguidas pelos empresários, interessados em manter a produção a todo o vapor para incrementar os lucros. Com mão de obra de sobra e um grande e crescente exército de reservao Brasil já tem mais desempregados do que empregadosa vida dos trabalhadores não importa para os donos do dinheiro. O negacionismo de Jair Bolsonaro (sem partido) e de setores empresariais acaba servindo, assim, como uma vantagem competitiva no mercado internacional, às custas da vida dos trabalhadoresnão apenas os empregados nos frigorí­ficos, já que esses focos de transmissão acabam expandindo-se às comunidades.

Federação cobra testagem em massa, terceiro turno e proteção da vida

Os empresários não querem distanciamento que obrigue a reduzir a quantidade de funcionários trabalhando ao mesmo tempo ou o ritmo da produção, não querem ter de gastar com equipamentos de proteção ou com a testagem de todos os trabalhadores. Por isso, a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA/RS) tem cobrado ações dos governos que garantam que os empresários ofereçam condições seguras de trabalho.

No dia 6 de julho, a FTIA, em parceria com a CUT/RS e com a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf-RS), lançou a campanha Da terra ao prato , em defesa da vida na cadeia produtiva de frigorí­ficos e pescado. Entre as medidas defendidas pelas entidades, estão a testagem obrigatória dos trabalhadores, o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e álcool em gel, a implantação do terceiro turno nos frigorí­ficos com redução da jornada de trabalho sem diminuição dos salários e o respeito ao distanciamento nos locais de trabalho, conforme as recomendações sanitárias da Organização Mundial da Saúde (OMS). Veja AQUI um dos ví­deos da campanha.

Paulo Madeira, presidente da FTIA, destaca que desde 14 de março a Federação está atuando em relação à pandemia, em constante diálogo com o Ministério Público do Trabalho. Como a gente não têm o poder da caneta, estamos buscando medidas. Conseguimos botar mais ônibus para os trabalhadores, álcool gel, estamos em uma batalha para buscar máscaras mais confortáveis e mais seguras . Ele lamenta, porém, que essas medidas vão só até a troca de uniforme, até o refeitório . O problema, conta, está dentro da produção, onde o ambiente é muito insalubre, não tem renovação de ar, é extremamente úmido e com os trabalhadores muito próximos uns dos outros . Embora em alguns frigorí­ficos a Federação e os sindicatos tenham conseguido o espaçamento com divisórias de acrí­lico entre os trabalhadores, para a maioria essa não é a realidade.

O que seria primordial, defende Madeira, seria a implementação do terceiro turno de trabalhonos frigorí­ficos que trabalham em dois turnos, passariam a ser três, com jornadas de seis horas e sem alterar o número total de trabalhadores. Assim, os funcionários estariam expostos por menos tempo e com maior espaçamento entre eles. As empresas, porém, resistem à medida e sentem-se respaldadas pela falta de ação dos governos federal e estadual. O que a gente esperava dos governos era a garantia do espaçamento. Como o nosso setor é um setor fundamental, que gera alimento para a população, o que a gente buscava era seguir a orientação da OMS, dois metros entre os trabalhadores, e isso não ocorreu. Isso poderia ter sido feito pelos governos. Eles não fizeram até agora praticamente nada para evitar o contágio. O que houve de medidas foi construí­do pelos sindicatos, Federação e Ministério Público do Trabalho com os frigorí­ficos. Se nós tivéssemos medidas do governo, tanto estadual quanto federal, que impusesse um tipo de sistema, talvez estarí­amos dentro dos frigorí­ficos produzindo alimentos e, em vez de dois turnos, três turnos de seis horas, com o trabalhador menos tempo exposto e com distanciamento maior , critica o presidente da Federação.

Com informações da Revista Fórum, G1, Correio do Povo, BBC, El Paí­s e UOL.