SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

DESTAQUE

Arroz e Flores: em live com parceria do Sintrajufe/RS, Emicida fala sobre a luta contra o racismo e defende o encontro como caminho

O rapper e ativista Emicida participou, nessa quinta-feira, 12, de uma roda de conversa online como parte do 2º Fórum Aberto de Educação Antirracista do TRT4, dentro da programação do Novembro Negro. O Fórum é promovido pelo TRT4, pelo Sintrajufe/RS, pelo Coletivo de Negros e Negras do TRT4, pelo Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT4 e pela Escola Judicial do tribunal. Com o tema Arroz e Flores , a conversa durou duas horas e passou por diversos temas abordados por Emicida em suas músicas, com um norte claro: o encontro como superpoder dos brasileiros e das brasileiras.

Na abertura da conversa, o desembargador Gilberto Souza dos Santos falou sobre a desigualdade de raça no Judiciário e, mais especificamente, no TRT4: negros e negras são apenas 1,3% dos juí­zes de 1º Grau, 2,1% dos magistrados e 6,5% dos servidores. A presidente do TRT4, desembargadora Carmen Gonzalez também fez uma breve participação, na abertura da atividade, defendendo que reencontremos no amor e na empatia o elo que nos liga .

O debate foi coordenado pela juí­za Gabriela Lenz de Lacerda, coordenadora do Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade e pelos colegas Alexandre Modesto e Roberta Liana Vieira, do Coletivo de Negros e Negras (Roberta também é representante dos servidores e servidoras negros e negras no Comitê). Ao longo de toda a conversa, Alexandre recitou trechos de letras de Emicida, com as perguntas sendo encaminhadas a partir dos temas abordados. As citações, aliás, permearam o bate-papo, das canções de Emicida aos textos de Mário de Andradediversas vezes lembrado pelo artista.

Logo no iní­cio, o rapper citou o Canto das Três Raças , de Clara Nunes, para defender que a cultura popular é o que define a existência civilizatória no Brasil e que o superpoder do brasileiro é o encontro e, infelizmente, às vezes a gente fica cego para esses encontros e produz o oposto deles .

Quando disser que vi Deus / Ele era uma mulher preta

A conversa começou com Emicida falando sobre seu pai e sua mãe. Lembrou que perdeu o pai muito cedo, aos seis anos, e que essa relaçãonem sempre muito próximafoi sendo repensada e ressignificada ao longo de sua vida: Eu encontro barreiras que são intransponí­veis no meu imaginário e que não são nada perto das barreiras que o meu pai enfrentou. Eu entendi o que um paí­s e uma sociedade como a nossa faz com pessoas como o meu pai , disse.

Lembrou também da infância, quando trabalhava com pequenos bicos para ajudar a mãe em casa, com ambos sofrendo constantemente pela pobreza. A mãe, conta, vivia sob forte pressão, com pobreza, vários empregos, e o medoum grande medo que atravessa tudo. A partir dessas reflexões, Emicida falou sobre a música Mãe : Deus, no nosso entendimento, é uma aposta que a gente faz pra que todo o sofrimento tenha sentido e, depois de ultrapassar todas as barreiras, a gente vi ter um acalanto, um abraço, e era isso o que a minha mãe representava , disse.

A gente quer se transformar em um ser humano melhor ou em uma engrenagem melhor?

Emicida falou sobre sua gravadora, a Laboratório Fantasma, e a necessidade de construir uma ética de trabalho diferente. Ele citou o músico B.B. King para lembrar o histórico de opressão do povo negro: quando eu cheguei aquidiz B.B. King “, quando uma pessoa negra morria, eles diziam ˜vai lá no celeiro e pega outro’ . Para Emicida, o lugar onde a gente está e onde nossos avós estavam é um lugar muito diferente , mas fomos educados de uma forma equivocada a respeito de como deve ser a nossa relação com o trabalhoo estereótipo que diz que pessoas pretas não gostam de trabalhar é alienante inclusive pra nós mesmos . O rapper lembrou sua visita a um campo de concentração, na Alemanha, e uma placa afixada na entrada, que diz que o trabalho liberta . Para Emicida, a ideia do trabalho como única função do ser humano é completamente alienante. A possibilidade humana é muito mais ampla do que somente a produção. A gente quer se transformar em um ser humano melhor ou em uma engrenagem melhor? . Arroz e flores, defendeu, são os dois campos em que a vida precisa acontecer: A gente precisa do alimento, mas não pode perder de vista a beleza. A vida não é só apertar parafuso .

Sentir o cheiro do café do barraco

Lembrando os textos de Mário de Andrade, Emicida defendeu a necessidade de valorizar tanto os estudos acadêmicos quanto o saber popular: Eu posso encontrar teorias maravilhosas sobre o Rio de Janeiro dos anos 60 e 70, mas, quando eu escutar o Cartola e o Zé Keti, vou sentir até o cheiro do café do barraco dele. Não são coisas que se conflitam . Para ele, é necessário reunir o Brasil real e o Brasil oficial para que o povo se encontre.

Parte desse encontro, defendeu, é a consciência sobre a necessidade do cuidar. Ele contou, então, o caso de um homem que plantou diversas árvores na rua e, sabendo da demora para algumas delas crescerem, comentou: imagina como vai estar daqui a 300 anos . Para Emicida, esse é um bom exemplo de como pensar o paí­s de forma ampla: As pessoas querem as coisas em 15 minutos, e a vida não é um miojo , criticou.

Cotas, violência policial e masculinidade

Emicida exaltou a chamada Geração do Movimento Negro Unificado, da década de 1970, intelectuais que, conforme ele, produziram a maior conquista do ativismo preto na história , o reconhecimento de que 54% da população era, de alguma forma, afrodescendente. A partir dessa lembrança, Emicida defendeu a polí­tica de cotas como parte da quitação de uma dí­vida histórica. Para ele, as cotas precisam passar, inclusive, pela distribuição de terras: Temos que conversar sobre o latifúndio. Por que a gente tem fazenda que é do tamanho de um paí­s? Ela serve a algum paí­s dentro do Brasil? Não, ela serve ao interesse de um grupo minúsculo de pessoas .

A violência também esteve em pauta na conversa. A violência da masculinidade construí­da socialmente, a violência policial, a guerra às drogas. Emicida apontou que a ideia de virilidade precisa se afirmar pela desigualdade, pelo poder de violação. Para combater a violência, temos que combater uma concepção de masculinidade que se alimenta da violência . Ao mesmo tempo, destacou que a polí­cia não pode ser o único braço do Estado a chegar nas periferias, se não, vamos trocar só os corpos, vamos continuar chorando .

O encontro como superpoder

A arte foi destacada como uma forma importante de luta, mas não a única. Emicida defendeu que há iniciativas de combate ao racismo em diversos espaços, inclusive utilizando o Coletivo de Negros e Negras do TRT4 como um exemplo, assim como a própria atividade de que participava: É necessária vontade polí­tica para que isso aconteça. E vontade polí­tica não é uma luz que cai do céu na cabeça do gestor. Ela é resultado de uma série de ações. Tem muita gente, silenciosamente, arregaçando as mangas e construindo essa outra experiência de analisar o mundo e construir o paí­s que queremos dar de presente para os nossos filhos , ressaltou. Para ele, um tarefa éurgente: Criar uma ponte para que a gente entenda que o superpoder do brasileiro é o encontro. E a gente não pode abdicar do nosso superpoder .

Participantes comentam

Para o diretor do Sintrajufe/RS Mário Marques, Emicida é um ativista e músico que engrandece a negritude. A palestra foi sensacional  e incentivadora. Tratou de racismo, negritude e música.  Ele é um exemplo de pessoa para os mais jovens. Estão  de parabéns o TRT4,  Coletivo de Negros e Negras a Ejud e o Sintrajufe/RS . Também diretora do Sintrajufe/RS, Luciana Krumenauer, que faz parte do Comitê de Equidade, comenta que ter um í­cone da música brasileira neste Fórum, cujas letras expressam quase tratados de que a vida deve ter amor e ser um elo para amizades, famí­lia, luta e trabalho, fortalece  o debate e traz a baila os entendimentos de justiça e igualdade para todas, todos e todes .

Roberta Liana Vieira, integrante do Comitê de Equidade, ressalta a importância da atividade: Ouvir o Emicida foi vital. Ele traz assuntos tão sérios e profundos como a fragilidade dos homens negros e a reparação histórica e humanitária pelos efeitos deletérios da escravidão de uma maneira amorosa e serena, alertando que ainda há muita coisa a se fazer, dando dicas de como fazer isso e, o mais importante, nos lembrando que temos uns aos outros. Ele é uma referência para nós, negros e negras. Um intelectual, um griot do nosso tempo. Ele vem de onde a gente vem. Ver ele ali era ver a nós mesmos. A tarde de ontem foi histórica. Foi emocionante. E, como ele mesmo diz ˜há sempre um mundo, apesar de já começado, há sempre um mundo pra gente fazer’. Parabéns a todos, todas e todes envolvidos, envolvidas e envolvides! .

Alexandre Modesto, do Coletivo de Negros e Negras, aponta que Emicida, para nós, negros e negras, além de artista e de í­cone, é um irmão. Em cada palavra, ele consegue verbalizar o que sentimos, porque vive o que vivemos. Tê-lo dentro do TRT, uma instituição predominantemente branca, foi uma oportunidade única. Ele fala lindamente da dona Maria, que antes de o sol nascer já começou seu dia. É a mãe que deixa seus filhos para cuidar de outros filhos, que deixa sua famí­lia para dar atenção e cuidado a outras famí­lias. Me emocionei neste momento, pois lembrei de mim criança, que, para conseguir me despedir de minha mãe, precisava madrugar com ela. A roda de conversa foi um presente para todos e todas que são empáticos à causa da negritude .