SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

DEMITIDOS POR POP-UP

Aposta em ensino a distância gera demissão em massa de professores universitários

O pesquisador Yuri Lima, do Laboratório do Futuro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observou que a aposta de instituições privadas no ensino a distância (EaD), tendência que se consolidou na pandemia, tem relação com o ritmo de diminuição dos quadros de funcionários e precarização das condições de trabalho de docentes. Entre março de 2020 e dezembro de 2021, o número de professores e professoras em faculdades particulares caiu 7,14%, com a saída de quase 30 mil profissionais, segundo o Ministério do Trabalho.

Atualmente, parte da carga horária dos cursos é ocupada por vídeos gravados previamente, que podem ser usados durante anos pelas faculdades, sem atualização, e substituem o material dado de forma presencial por um professor.

Rodrigo Barbosa e Silva, pesquisador-sênior de políticas públicas em tecnologias do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade de Columbia (EUA), explica que “vemos talvez há quase duas décadas uma série de cursos online na área de lato sensu [cursos voltados para atualização e especialização] em que a aula era gravada, algumas vezes com estudantes presencialmente ou interagindo a distância”. Há contratos em que a aula gravada fica válida por três anos, com possibilidade de prorrogação. Ou seja, “a aula que foi feita por um docente, vamos dizer por 10 horas, acaba sendo retransmitida ao longo de três anos ou mais”.

O principal ponto de virada da tecnologia é o tamanho das turmas: uma sala presencial com, por exemplo, 50 alunos, que seria considerada “inchada”, a depender do espaço físico, hoje dá lugar a salas virtuais que comportam até mil alunos. Essas mudanças têm permitido uma redução significativa de custos para empresas educacionais nas suas folhas de pagamento.

EaD cresce mais 428% no Brasil em dez anos

O ano 2020, o primeiro da pandemia, também marcou a primeira vez na história que graduações à distância tiveram mais alunos novos do que cursos presenciais. Em dez anos, o crescimento do EaD foi de 428% no país.

Antes mesmo da pandemia, uma portaria assinada pelo então ministro da Educação Abraham Weintraub permitiu que graduações presenciais pudessem ter 40% de aulas virtuais em relação à carga horária total (uma exceção é o curso de Medicina).

“A diferença entre as duas modalidades é significativa do ponto de vista de estrutura. O presencial exige muitos professores em sala de aula. Exige uma infraestrutura física, administrativa, muito grande”, diz Lima.

Yuri Lima faz questão de enfatizar que o ensino a distância não deve “ser visto como vilão”. “Eu, como uma pessoa que vem da área de tecnologia, acredito muito no potencial dela para melhorar a educação”, diz. Para ele, “é possível utilizar a tecnologia de forma que amplie a qualidade em vez de precarizar o ensino e o trabalho.”

Para Barbosa e Silva, “é importante observar que o fenômeno não está na tecnologia, e sim na estrutura social por trás da educação ou de necessidades financeiras para instituições educacionais”.

Demissão por “pop-up”

O professor Rodrigo Mota Amarante soube de sua demissão do quadro da faculdade Uninove, em São Paulo, por meio de um pop-up: uma mensagem que surgiu na tela do computador quando iniciava sua jornada semanal. “A demissão por pop-up é muito esquisita, né? Os professores simplesmente entraram no sistema para dar aula, era uma segunda-feira, dia de aula normal. Então, você acessa o sistema para dar aula e você está bloqueado: você foi demitido.” Ele afirma: “É muito frio, é muito distante. Cruel, para ser bem sincero”.

Amarante, com quase 25 anos de carreira como docente, foi desligado em um corte de 300 profissionais da Uninove em 22 de junho de 2020. As atividades do dia para os estudantes foram substituídas por uma palestra motivacional com participação do ex-secretário municipal de Educação Gabriel Chalita e do padre Fábio de Mello intitulada “Fortaleça o seu interior e acredite em você”.

O professor também relata que, de 2017 para 2018, foram demitidos todos os professores do curso 100% EaD de Engenharia de Produção na Uninove. Ele diz que sente “muita falta de sala de aula”, mas que “financeiramente não vale a pena”. Hoje, trabalha como especialista de dados de uma empresa varejista.

Em dezembro de 2020, ocorreu mais uma demissão em massa na Uninove. Segundo o Sindicato dos Professores de São Paulo, o total de cortes em 2020 representou quase metade do antigo corpo docente da faculdade.

A Uninove substituiu professores por tutores. Saíram os professores que fizeram os materiais, que gravaram as aulas, pesquisaram e produziram todo o conteúdo, e foram contratados estagiários ou recém-formados, com um salário menor. “É perceptível este movimento em que se busca alguém para dar uma aula magna, para ser o que se chama muitas vezes o professor convidado, e existem tutores ou muitas vezes estagiários da própria instituição, ainda cursando a graduação, para fazer o que se chama de mediação”, diz Barbosa e Silva.

Precarização

Yuri Lima afirma que, “com o advento da reforma trabalhista de 2017, consolidou-se o regime horista. Esse regime ficou sedutor para essas instituições que não querem investir tanto na pesquisa e na extensão [trabalho da universidade de volta para a comunidade, como atendimento de saúde] e sim contratar docentes de uma maneira que pode ser chamada de ‘uberização’”.

O pesquisador explica: “Se a pessoa está numa posição de carreira, de 40 horas, ela consegue conversar com estudante sobre pesquisa, sobre o conteúdo da aula, sobre o próprio futuro profissional”. Os contratados por disciplina ou regimes horistas nem são pagos por esse tempo, embora os professores “não deixem de atender quando os estudantes estão em contato”.

Yuri Lima afirma que, além dos reflexos na qualidade de ensino, há um predomínio do que chama de “EaD conteudista” na formação do estudante. “O quanto que eu consigo desenvolver habilidades com uma pessoa sentada dentro de casa, assistindo a vídeos e respondendo um questionário? Isso não atende às demandas do mercado de trabalho mais moderno”, diz. Para o pesquisador, outro desafio “é de entregar empregabilidade para essas pessoas estão se formando, ou seja, a capacidade de um aluno egresso de uma instituição de ensino conseguir entrar no mercado de trabalho com um emprego de qualidade”.

Fonte: BBC Brasil