SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

VIOLÊNCIA

Brasil bate recorde de número de estupros: 75 mil registros em 2022; em 82,7% dos casos, a ví­tima conhecia o autor do crime

O Brasil registrou em 2022 o maior número de casos de estupro da série histórica, iniciada em 2011. Os dados foram divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública no dia 20. Ao todo, foram 74.930 ví­timas, uma média de 205 estupros por dia, o que representa um aumento de 8,2% na comparação com 2021. A taxa é de 36,9 casos para cada 100 mil habitantes. Em 82,7% dos casos, as ví­timas conheciam os autores dos crimes.

Os números levam em conta apenas os casos que foram denunciados às autoridades policiais e incluem tanto estupro (18.100 casos) quanto estupro de vulnerável (58.820), como são classificados os casos no qual a ví­tima tem menos de 14 anos ou quando ela não tem condição de consentir. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em março apontou que apenas 8,5% dos crimes de estupro são reportados à polí­cia e 4,2%, ao sistema de saúde. Ou seja, a quantidade de crimes do tipo deve ser ainda maior do que a apontada no Anuário.

Cristina Neme, socióloga e coordenadora de projetos no Instituto Sou da Paz, afirma que, além das consequências individuais para as ví­timas e o alto prejuí­zo psicológico, o crime tem impacto no sistema de saúde. “Há um desafio das polí­ticas públicas , afirma ela, que entende que é preciso fortalecer essas polí­ticas para cuidar das ví­timas e tentar reduzir as taxas. O aumento do abuso sexual foi puxado, principalmente, pelo estupro de vulnerável. Por isso, a especialista analisa que é preciso enfrentar questões de igualdade de gênero e defesa dos direitos humanos.

Região Norte registra maiores altas

As maiores altas em relação a 2021 foram registradas no Amazonas (com crescimento de 37,3%), em Roraima (28,1%), no Rio Grande do Norte (26,2%), no Acre (24,4%) e no Pará (23,5%). Apenas quatro estados registraram queda de notificações: Minas Gerais (redução de 8,4%), Mato Grosso do Sul (2,1%), Ceará (2%) e Paraí­ba (1%).

Sobre a alta de casos no norte do Brasil, Neme analisa algumas possí­veis causas: “Há uma série de fatores que contribuem para esse cenário, como crimes ambientais e disputa por garimpo, madeira e terras indí­genas”, diz.

Crianças e adolescentes

Os casos de tentativa de estupro e de estupro de vulnerável também aumentaram, indo de 4.482 em 2021, para 4.639 no ano passado, uma alta de 3%. Em 82,7% dos casos de estupro ou tentativa de estupro, a ví­tima conhecia o autor do crime.

O relatório aponta que a maior parte dos estupros acontece dentro de casa (68,3%) e que a maioria das ví­timas é mulher (88,7%), menor de 18 anos (80%) e negra (56,8%). Quando o caso envolve uma menina, a maioria das ví­timas tem de 10 a 13 anos; entre os meninos, entre 5 e 9 anos.

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, considera que esse aumento pode ter acontecido porque mais ví­timas têm denunciado o crime às autoridades, na esteira de ações como o movimento MeToo. “As campanhas têm um fator pedagógico para as pessoas entenderem melhor o significado de abusos e violência sexual”, diz. “É comum que as pessoas demorem a entender que foram ví­timas, então isso as encoraja.”

Mas só isso não explica o aumento de registros, afirma ela. Bueno destaca que oito em cada dez ví­timas de estupro têm menos de 18 anos, sendo que 61% têm até 13 anos. “Por isso, atribuir esse aumento dos registros de estupro ao empoderamento e maior informação pode ser um pouco ingênuo”.

Ela aponta também que a alta de casos pode ter sido um efeito da pandemia da Covid-19. A crise sanitária gerou dois problemas, aponta a especialista. Por um lado, muitas ví­timas passaram a ficar presas na mesma casa que seus agressoresa maior parte dos estupros no Brasil é cometida por familiares. Além disso, professores e outros educadores são muitas vezes os primeiros a notarem mudanças no comportamento das crianças e, assim, suspeitarem de que ela pode estar sendo alvo de abusos. Com as escolas fechadas, muitas ví­timas ficaram sem esse apoio.

Com a reabertura das escolas, já era esperado que o número de registros aumentasse, pois há casos que eventualmente começaram na pandemia e só foram notificados no ano passado. Neme afirma que a escola tem um papel importante e ressalta sua preocupação com a discussão do homeschooling no paí­s. “É um retrocesso e afeta as crianças. Infelizmente, não temos uma solução milagrosa [para o estupro de vulneráveis] e, por isso, não podemos retirar aquilo que já sabemos que funciona.”

Para a promotora de São Paulo Silvia Chakian, diversos fatores contribuem para o recorde de abusos registrados no Brasil, como relações construí­das a partir de desigualdades e a fragilidade da proteção das crianças e adolescentes. Além disso, há o tabu e a desinformação que ainda revestem os debates sobre educação sexual. “Somado a isso, está o medo e o silenciamento das ví­timas desse tipo de violência, majoritariamente praticado por pessoas do seu cí­rculo de confiança, em ambiente doméstico e de forma contí­nua, reiterada.”

Fonte: Folha de S. Paulo