SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - FUNDADO EM 28 DE NOVEMBRO DE 1998 - FILIADO À FENAJUFE E CUT

NA SERRA GAÚCHA

150 pessoas são resgatadas de condições análogas à escravidão na colheita de uva para grandes viní­colas; defasagem de fiscais do trabalho chega a 40% do quadro

Na noite dessa quarta-feira, 22, a Polí­cia Rodoviária Federal (PRF), em ação conjunta com a Polí­cia Federal (PF) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), resgatou cerca de 150 pessoas que se encontravam em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves. Esses trabalhadores atuavam na colheita de uva terceirizada para grandes viní­colas da região.

O caso só foi descoberto porque um grupo conseguiu fugir e fazer a denúncia à PRF. Segundo a PRF, três trabalhadores procuraram os policiais na Unidade Operacional da PRF em Caxias do Sul e informaram que tinham acabado de fugir de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. A PRF acionou o MTE e a PF para deslocar ao endereço indicado e confirmar a informação dos trabalhadores. As equipes foram até o local que seria utilizado como alojamento pelos homens e os Auditores do Trabalho constataram que havia em torno de 150 homens em situação análoga à escravidão .

Um homem foi preso na operação. Ele foi o responsável pelas contratações dos trabalhadores, a maioria delas feita na Bahia. Os trabalhadores recebiam comida estragada, tinham de trabalhar com roupas molhadas, sem banho quente, e eram obrigados a realizar compras apenas em um mercadinho, com produtos superfaturados e o valor descontado dos salários, o que gerava dí­vidas dos trabalhadores com o aliciador, pretexto por meio do qual eram impedidos de deixar o local, sob ameaças a eles próprios e aos familiares que vivem na Bahia.

Os trabalhadores também relataram terem sido ví­timas de violência fí­sica. Um dos trabalhadores que conseguiu escapar contou ao jornal Pioneiro que, apesar das circunstâncias de trabalho diferentes do prometido quando da contratação, tentou relevar, mas acabou decidindo gravar um ví­deo denunciando as condições. Após a gravação, foi violentamente agredido e ameaçado: Tomei cadeirada, spray de pimenta, estou com os dentes moles. Eu escutei eles falando que um carro estava vindo para levar para me matarem. O tempo dos escravos eu não vivi, acho que nem minha bisavó viveu. Hoje vai existir escravo de novo? Não vai. O que depender de mim, não vai, eu vou abrir minha boca, eu vou falar que tá errado , disse.

O Ministério do Trabalho e do Emprego disse que vai buscar o ressarcimento dos salários e verbas rescisórias para os trabalhadores resgatados e, depois, encaminhá-los de volta às suas cidades de origem.


Ministério tem mesmo quadro de 25 anos atrás

A precarização vivida nos últimos anos pelo conjunto do serviço público também atinge o Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão, de forma que operações como a de Bento Gonçalves não dependam de fugas de trabalhadores. A situação no órgão é de grave falta de servidores e servidoras. Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o último concurso foi realizado em 2013, com apenas 100 vagas, que não foram todas preenchidas até agora. Dessa forma, cerca de 40% do quadro está vago, com quase 1.500 vagas em aberto. Ainda conforme o Sinait, a carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho está operando no limite, com menos de 2 mil auditores em atividade, o mesmo quadro de 25 anos atrás. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em reunião com o Sinait neste mês, disse que está buscando viabilizar a realização de um concurso o quanto antes, se possí­vel ainda neste ano.

Resolução que ameaça varas trabalhistas precisa ser revogada

Muitos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão acabam sendo enviados à Justiça do Trabalho, principalmente quando não há assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC) ou seu cumprimento posterior. Essas situações reforçam a importância da presença da Justiça do Trabalho em todas as regiões, em especial no interior.

Nesse contexto, é necessário que seja definitivamente revogada a resolução 296/2021 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Essa resolução, suspensa até junho deste ano após pressão de servidores e comunidades, traz uma ameaça imediata a dezenas de varas trabalhistas em todo o paí­s, inclusive no Rio Grande do Sul. A resolução determina que os tribunais regionais realizem a adequação da jurisdição ou transferência de unidades judiciárias de primeiro grau que tenham apresentado distribuição processual inferior a 50% (cinquenta por cento) da média de casos novos por Vara do Trabalho do respectivo tribunal, no último triênio . Se aplicada, pode deixar sem acesso à Justiça do Trabalho justamente quem é mais vulnerável. As áreas mais afastadas e de cidades menores, com maiores áreas rurais, registram maior incidência de trabalho análogo à escravidão justamente por estarem mais afastadas dos grandes centros e da fiscalização, e o fechamento de varas trabalhistas pode agravar o problema.

Fontes: CUT, G1, PRF, GZH e Pioneiro