Na noite dessa quarta-feira, 22, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em ação conjunta com a Polícia Federal (PF) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), resgatou cerca de 150 pessoas que se encontravam em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves. Esses trabalhadores atuavam na colheita de uva terceirizada para grandes vinícolas da região.
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O caso só foi descoberto porque um grupo conseguiu fugir e fazer a denúncia à PRF. Segundo a PRF, três trabalhadores procuraram os policiais na Unidade Operacional da PRF em Caxias do Sul e informaram que tinham acabado de fugir de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. A PRF acionou o MTE e a PF para deslocar ao endereço indicado e confirmar a informação dos trabalhadores. As equipes foram até o local que seria utilizado como alojamento pelos homens e os Auditores do Trabalho constataram que havia em torno de 150 homens em situação análoga à escravidão .
Um homem foi preso na operação. Ele foi o responsável pelas contratações dos trabalhadores, a maioria delas feita na Bahia. Os trabalhadores recebiam comida estragada, tinham de trabalhar com roupas molhadas, sem banho quente, e eram obrigados a realizar compras apenas em um mercadinho, com produtos superfaturados e o valor descontado dos salários, o que gerava dívidas dos trabalhadores com o aliciador, pretexto por meio do qual eram impedidos de deixar o local, sob ameaças a eles próprios e aos familiares que vivem na Bahia.
Os trabalhadores também relataram terem sido vítimas de violência física. Um dos trabalhadores que conseguiu escapar contou ao jornal Pioneiro que, apesar das circunstâncias de trabalho diferentes do prometido quando da contratação, tentou relevar, mas acabou decidindo gravar um vídeo denunciando as condições. Após a gravação, foi violentamente agredido e ameaçado: Tomei cadeirada, spray de pimenta, estou com os dentes moles. Eu escutei eles falando que um carro estava vindo para levar para me matarem. O tempo dos escravos eu não vivi, acho que nem minha bisavó viveu. Hoje vai existir escravo de novo? Não vai. O que depender de mim, não vai, eu vou abrir minha boca, eu vou falar que tá errado , disse.
O Ministério do Trabalho e do Emprego disse que vai buscar o ressarcimento dos salários e verbas rescisórias para os trabalhadores resgatados e, depois, encaminhá-los de volta às suas cidades de origem.

Ministério tem mesmo quadro de 25 anos atrás
A precarização vivida nos últimos anos pelo conjunto do serviço público também atinge o Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão, de forma que operações como a de Bento Gonçalves não dependam de fugas de trabalhadores. A situação no órgão é de grave falta de servidores e servidoras. Conforme o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), o último concurso foi realizado em 2013, com apenas 100 vagas, que não foram todas preenchidas até agora. Dessa forma, cerca de 40% do quadro está vago, com quase 1.500 vagas em aberto. Ainda conforme o Sinait, a carreira da Auditoria-Fiscal do Trabalho está operando no limite, com menos de 2 mil auditores em atividade, o mesmo quadro de 25 anos atrás. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em reunião com o Sinait neste mês, disse que está buscando viabilizar a realização de um concurso o quanto antes, se possível ainda neste ano.
Resolução que ameaça varas trabalhistas precisa ser revogada
Muitos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão acabam sendo enviados à Justiça do Trabalho, principalmente quando não há assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC) ou seu cumprimento posterior. Essas situações reforçam a importância da presença da Justiça do Trabalho em todas as regiões, em especial no interior.
Nesse contexto, é necessário que seja definitivamente revogada a resolução 296/2021 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Essa resolução, suspensa até junho deste ano após pressão de servidores e comunidades, traz uma ameaça imediata a dezenas de varas trabalhistas em todo o país, inclusive no Rio Grande do Sul. A resolução determina que os tribunais regionais realizem a adequação da jurisdição ou transferência de unidades judiciárias de primeiro grau que tenham apresentado distribuição processual inferior a 50% (cinquenta por cento) da média de casos novos por Vara do Trabalho do respectivo tribunal, no último triênio . Se aplicada, pode deixar sem acesso à Justiça do Trabalho justamente quem é mais vulnerável. As áreas mais afastadas e de cidades menores, com maiores áreas rurais, registram maior incidência de trabalho análogo à escravidão justamente por estarem mais afastadas dos grandes centros e da fiscalização, e o fechamento de varas trabalhistas pode agravar o problema.
Fontes: CUT, G1, PRF, GZH e Pioneiro